Fazia duas semanas que a exposição havia sido inaugurada quando o artista Eduardo Haesbaert, 43 anos, encontrou a reportagem na galeria Bolsa de Arte em Porto Alegre. Suas mãos ainda estavam inchadas. Para fazer um desenho na parede da galeria, ele dispensou instrumentos. Utilizou as palmas e os dedos para espalhar o pigmento negro obtido com pastel seco, um tipo de giz.
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Ele havia concluído o trabalho na noite anterior à inauguração da individual Última Cena, reunião de 13 obras aberta para visitação até o dia 23, com pintura, videoinstalação, desenho sobre papel e o desenho sobre parede que deixou suas mãos assadas.
– Fiquei empolgado, não percebi. Já tinha feito trabalhos semelhantes, mas em tamanho menor. Acho que eu não precisava ter sofrido tanto – diverte-se.
Haesbaert não se queixa, muito pelo contrário. Interessam-lhe os rastros do fazer artístico e da passagem do tempo, como os pigmentos negros que impregnam em seus dedos ao folhear para a reportagem um caderno de esboços que o público pode apenas observar sob uma proteção transparente em um suporte. Essa espécie de diário artístico é o ponto de partida. Daí o curador da exposição Adolfo Montejo Navas criou um itinerário arquitetônico em preto, branco e meia-tinta: do papel para as telas da videoinstalação, de lá para o chão, onde está apoiado um díptico, e por fim a parede.
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O caderno de esboços não é o único diário de Haesbaert. Ele saca uma câmera fotográfica de 14 megapixels e mostra as imagens que costuma registrar informalmente de prédios da Capital. Ângulos, sombras e cores servem de inspiração para seus trabalhos, que buscam cada vez mais um diálogo com a arquitetura. Haesbaert atribui o interesse, em parte, à vivência dentro do prédio projetado por Álvaro Siza para a Fundação Iberê Camargo, cujos ateliê de gravura e acervo ele coordena.
A ausência de cores fora da paleta entre o preto e o branco é uma maneira de se reinventar:
– Chegou um ponto em que eu estava me perdendo nas cores. Já o negro é a cor de que mais gosto. Parece que acalma, como a noite. Passa uma ideia de silêncio.
Mas não há ponto de apoio nas casas e nos espaços que ele cria. O chão é um borrão. Por meio de uma vertiginosa noção de profundidade, é impossível saber por onde se mover com segurança. Essa proposta é trazida para a experiência física na videonstalação de Marta Biavaschi, mulher de Haesbaert, baseada em sua poética. O espectador entra em uma pequena casa escura. No chão, uma tela de vídeo mostra o caderno de esboços sendo folheado. À frente, está outra tela, dividida como um díptico: à esquerda, cenas filmadas no ateliê de Haesbaert, na Rua Lopo Gonçalves (o conhecido ateliê que foi de Iberê Camargo); à direita, imagens do ateliê na Rua Santa Terezinha para onde pretende se mudar em breve.
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Última Cena, o título da exposição, é uma tradução criativa de L’Ultima Cena (em português, “a última ceia”), tela do célebre pintor italiano Tintoretto (1518 – 1594) que Haesbaert viu na Bienal de Veneza este ano. Mas também é uma referência à sala escura do cinema, evocada na videoinstalação:
– Na exposição, o espectador se projeta. Ele cria sua última cena.