O Diário Catarinense adianta o editorial que os jornais da RBS publicarão no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 18h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa.
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SIGILO IMORAL
Enredado até o pescoço no esquema de corrupção comandado pelo empresário Carlinhos Cachoeira, o senador Demóstenes Torres espera escapar da iminente cassação política fazendo uso de um subterfúgio antigo, condenável, mas inexplicavelmente intocável: o voto secreto. Não estamos aqui nos referindo ao voto dos cidadãos na escolha de seus governantes e de seus representantes parlamentares, garantia constitucional que fortalece a democracia, pois possibilita a cada indivíduo posicionar-se de acordo com sua consciência, sem qualquer tipo de pressão. O inaceitável é o voto secreto no Congresso Nacional, onde os votantes sequer o fazem em seus próprios nomes, mas sim representando seus eleitores.
Porta aberta para a impunidade, o voto secreto já salvou mais de um parlamentar da perda de mandato, mesmo em casos de corrupção explícita. Por corporativismo ou compromisso partidário, deputados e senadores escondem-se atrás do sigilo sem o risco do desgaste político. Alguns chegam mesmo ao desplante de fazer pronunciamentos públicos num sentido e votar em outro, confiantes de que não precisarão prestar contas da incoerência. O último episódio que chocou a nação foi o da deputada Jaqueline Roriz, flagrada em vídeo recebendo dinheiro ilegal e absolvida por seus pares numa votação secreta.
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Não faltam iniciativas para derrubar esta aberração. Previsto pela Constituição para cassações de mandatos, exames de veto presidencial e outras matérias mais delicadas, o sigilo tem sido mantido sob o pretexto de garantir a independência do parlamento em relação ao Executivo – o que, no atual sistema de coalizão, já fica quase sem sentido. Mas a verdade é que o voto secreto retira do cidadão o poder de fiscalizar seu representante. E provoca indignação coletiva sempre que um parlamentar envolvido em falcatrua escapa da punição por conta do corporativismo ou do constrangimento gerado pela proximidade.
Por isso, pouco têm prosperado nas duas casas legislativas as propostas de emenda constitucional em favor do voto aberto. Na Câmara, existe uma PEC de 2001, de iniciativa do então deputado Luiz Antônio Fleury, que nunca foi colocada em votação. No Senado, faz cinco anos que o gaúcho Paulo Paim (PT-RS) tenta levar adiante uma proposta semelhante, com o argumento de que a abolição do voto secreto do parlamentar é mais do que um clamor popular, é também um apelo moral e ético. Mas seus pares não se comovem com a argumentação.
Agora mesmo, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) voltou a apresentar requerimento para a inclusão na ordem do dia de outra PEC, de 2004, na expectativa de que o voto secreto ainda possa ser derrubado antes do caso Demóstenes seguir para o exame do plenário. É mais uma oportunidade para o Congresso entrar em sintonia com a sociedade e resgatar parte da credibilidade perdida no anonimato de votações verdadeiramente imorais.
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