O Diário Catarinense adianta o editorial que os jornais da RBS publicarão no próximo domingo para que os leitores possam manifestar sua opinião em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 18h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa.
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PÚBLICO, DE TODOS
O desconforto dos servidores públicos com a Lei de Acesso à Informação, especialmente em decorrência da obrigatoridade de divulgação das folhas de pagamento de poderes, repartições e empresas estatais, reflete compreensível preocupação com a privacidade, mas também revela uma mentalidade resistente ao império da cidadania. O Estado não pertence aos governantes, nem aos parlamentares ou ao funcionalismo. Pertence aos cidadãos. Os agentes públicos, de todos os escalões, nada mais são do que operadores da estrutura estatal. Estão nos seus cargos para servir ao Estado e aos cidadãos – e não para servir-se deles. Parece elementar, mas este é um preceito historicamente desconsiderado em nosso país.
Característica dos regimes absolutistas, o patrimonialismo sobrevive em democracias que ainda não desenvolveram suficientes e eficientes mecanismos de controle. Trata-se do feio hábito de alguns governantes e ocupantes de postos elevados em misturar o público com o privado, prática que se espraia pela administração como inço. Sem uma chefia firme e exemplar, o subalterno fica tentado a prevaricar. Nem todos cedem aos maus desejos, é verdade. Como contribuintes e cidadãos confiantes na democracia, temos que acreditar que a maioria dos servidores prima pela honestidade. Ainda assim, não se pode ignorar que uma das características mais deletérias do serviço público é a da sinecura, um lugar para trabalhar pouco, ganhar bem e conquistar uma aposentadoria precoce com vencimento integral.
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Durante muitos anos, o povo brasileiro conformou-se com esta condição de inferioridade em relação aos privilegiados ocupantes do poder. Aos poucos, porém, foi reconquistando a cidadania e passou a questionar o comportamento monárquico de governantes e lideranças políticas. A pressão popular vem transformando o desejo de moralização em leis e em instrumentos de transparência, com destaque para a Lei de Responsabilidade Fiscal e para a recente Lei de Acesso à Informação. A popularização da internet no país também está contribuindo para o redesenho do espaço público.
Hoje não há mais desculpa para o sigilo, que muitas vezes é usado para proteger malfeitorias. Homens públicos têm, sim, a obrigação de revelar aos seus verdadeiros patrões – os cidadãos – quanto ganham e o que fazem para servir o Estado, que aos poucos está deixando de ser um escudo para o descompromisso para se tornar a expressão de um poder político exercido em nome de todos. Servidores públicos têm, sim, o dever da transparência nos seus atos, da prestação de contas permanente e da resposta às demandas e cobranças da população. Talvez aquela equivocada interpretação popular tenha uma conotação de verdade. Sempre se ouviu dizer que o que é público não tem dono. No singular, não tem mesmo. No plural, porém, faz sentido. O Estado tem muitos donos. Todos nós.