O Diário Catarinense adianta o editorial que publicará no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 19h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa. Ao deixar comentário, informe nome e cidade.
Continua depois da publicidade
MUDANÇA DE PARADIGMA
Marcos na história brasileira do combate ao crime, a Lei de Lavagem de Dinheiro e o julgamento do mensalão abrem perspectivas inéditas de rigor contra os malfeitos cometidos contra o sistema financeiro, popularmente chamados de crimes de colarinho branco. A lei colocou uma série de atividades ao alcance do radar do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e permitiu que qualquer tipo de crime possa ser passível de punição por lavagem de dinheiro. Já o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o mensalão, firma entendimento sobre o crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, ampliando as possibilidades de condenação para réus historicamente favorecidos pela impunidade.
Inegavelmente, tanto a lei contra a lavagem de dinheiro quanto o processo do mensalão constituem-se em marcos na persecução penal. Trata-se de uma mudança de atitude longamente aguardada no país, onde a histórica leniência em relação a criminosos de elevado poder aquisitivo transformou o sistema penal num dispositivo de uso exclusivo contra quem não pode pagar bons advogados para se defender. Não foi outro o entendimento da ministra gaúcha Rosa Weber, que, no julgamento do primeiro item do mensalão, afirmou: “Quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito”. A frase foi dita a propósito da impossibilidade de comprovação do chamado ato de ofício para sustentar condenações por corrupção passiva, como no caso do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara acusado de receber dinheiro do valerioduto. Para a ministra do Supremo, a facilidade de proteção ao alcance dos poderosos respalda “a maior elasticidade na admissão da prova de acusação”. Até a decisão referente ao deputado, prevalecia uma jurisprudência de 40 anos segundo a qual era impossível condenar na ausência de ato de ofício.
Continua depois da publicidade
Não foram poucas as críticas sofridas pelo Judiciário nos últimos anos _ muitas delas justas e naturais num regime democrático. A ação do Supremo deu origem também a reações despropositadas, como a da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do deputado piauiense Nazareno Fonteles (PT), que permite ao Congresso anular decisões do Judiciário se considerar que as mesmas exorbitaram “o poder regulamentar ou os limites de delegação legislativa”. A referida PEC se destinava, segundo o autor, a deter o que alguns qualificam de “ativismo judiciário” _ a tendência de os magistrados assumirem funções legislativas em questões diante das quais o parlamento se omite.
O que se espera, agora, desses dois poderes _ Legislativo e Judiciário _ é a continuidade de ações harmônicas em defesa dos interesses da nação como as que já resultaram, da parte do primeiro, na aprovação da Lei de Lavagem de Dinheiro no início deste ano, e do segundo, no rigor demonstrado no julgamento do mensalão. O Supremo, particularmente, já deu sinais de que o país já está apto a usar as leis disponíveis hoje para punir até mesmo com cadeia poderosos de colarinho branco quase sempre fora do alcance da Justiça, além de fazê-los devolver o dinheiro eventualmente desviado. À opinião pública, resta torcer para que manobras jurídicas previsíveis nesses casos não se sobreponham à adoção pelo STF desses novos paradigmas.