O Diário Catarinense adianta o editorial que os jornais da RBS publicarão no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 18h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa.

Continua depois da publicidade

Clique e deixe a sua opinião

SAÚDE POR DECRETO

A Câmara dos Deputados aprovou na última terça-feira um projeto que fixa prazo máximo para o início de tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para pacientes com diagnóstico de câncer. Estes, de acordo com a legislação que ainda será votada novamente pelo Senado, terão direito a se submeter ao primeiro tratamento junto ao SUS em até 60 dias após a data de emissão do laudo patológico. A bem-intencionada proposta tem como autora a deputada Carmem Zanotto (PPS-SC), após constatar em registros do Tribunal de Contas da União, do próprio SUS e de hospitais que o tempo médio de espera entre a data do diagnóstico e o início do tratamento chega a 76,3 dias para a quimioterapia e 113,4 dias para a radioterapia. Na sua argumentação, a parlamentar lembra que o tratamento adequado, iniciado rapidamente, aumenta as taxas de sobrevida e reduz os gastos com a doença.

A providência é bem-vinda, pois a própria Organização Mundial da Saúde vem alertando que os casos de câncer no mundo deverão aumentar em 75% até o ano de 2030, principalmente em decorrência da obesidade e do tabagismo. No Brasil, atesta o Instituto Nacional do Câncer (Inca), 37% dos novos casos da doença estão relacionados ao fumo, mesmo com a proliferação de leis restritivas ao consumo de cigarros. Só no ano passado, o país gastou cerca de R$ 21 bilhões no tratamento de pacientes com doenças decorrentes do tabagismo, responsável por 13% das mortes em território nacional (o equivalente a 130 mil óbitos anuais, ou 357 por dia). O estudo é da Aliança de Controle do Tabagismo.

Continua depois da publicidade

Diante de números tão assustadores, compreende-se que o Congresso Nacional busque remédios legislativos para atenuar as carências da saúde dos brasileiros, assim como tem feito o Judiciário quando concede liminares para que pacientes obtenham internação imediata ou medicamentos que não podem comprar. Ambas as ações, porém, são equivocadas – ainda que movidas pelos melhores propósitos e até mesmo pela urgência de salvar vidas.

A não ser em casos excepcionais, nenhum hospital, médico ou servidor da área de saúde deixa de internar um paciente ou iniciar rapidamente o seu tratamento por implicância ou má vontade. No caso da internação em UTIs, por exemplo, exceder a capacidade máxima significa colocar em risco a vida dos demais doentes. Quando um juiz obriga uma instituição hospitalar a dar atenção para um paciente grave, pode estar também obrigando-a a desatender outra pessoa na mesma situação. É o mesmo conceito do projeto de prazo mínimo para o atendimento pelo SUS, que já trabalha no limite de sua capacidade máxima de atendimento.

Em vez de ações pontuais, meritórias mas insuficientes, precisamos é de políticas públicas melhor planejadas e voltadas para o que realmente é prioridade para a população. Atendimento à saúde é obrigação dos governos em todos os níveis. A rede médico-hospitalar precisa contar com recursos suficientes para dar atendimento a todos – e não apenas aos contemplados por leis específicas e medidas judiciais esporádicas. Em vez de decretos, a saúde pública precisa de recursos bem aplicados, de investimentos na prevenção e na formação dos profissionais, de controle dos desvios e de cobrança de eficiência nos serviços.