O Diário Catarinense adianta o editorial que publicará no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 19h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa. Ao deixar comentário, informe nome e cidade.

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SENSAÇÃO DE IMPUNIDADE

Dois casos são emblemáticos da percepção da sociedade de que, apesar dos avanços representados pelo julgamento do mensalão, a Justiça atende apenas parcialmente às expectativas pelo fim da impunidade.

O primeiro exemplo, transformado em evento midiático, foi oferecido recentemente de forma acintosa pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira, flagrado em núpcias numa praia baiana. O segundo, menos conhecido, mas igualmente ofensivo, é o do deputado Natan Donadon (PMDB-RO). Tanto Cachoeira quanto Donadon foram condenados, mas continuam desfrutando da liberdade, porque o Judiciário cumpre o que as leis determinam até mesmo em minúcias espertamente avocadas pelos defensores.

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São casos que têm suas particularidades, com um aspecto em comum: ambos são favorecidos pelos infindáveis recursos de que advogados atentos dispõem para evitar o cumprimento de penas.

Carlinhos Cachoeira foi condenado em primeira instância a 39 anos de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, peculato, corrupção e violação de sigilo. Foi preso duas vezes e enfim goza de liberdade porque tem a seu favor um benefício reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal. Pode ficar solto, por ter recorrido da decisão da Justiça, até o trânsito em julgado da sentença, ou seja, quando seu caso tiver a palavra final do Judiciário.

O bicheiro envolvido em atividades ilícitas com a participação de políticos e empreiteiros sabe tirar proveito das chamadas chicanas jurídicas. São os recursos protelatórios que muitas vezes fazem com que um processo definhe na prescrição, após longos anos de procrastinações. Ministros do próprio Supremo já manifestaram contrariedade com as amplas possibilidades de recursos, que desqualificam as primeiras decisões dos juízes e sobrecarregam os tribunais.

A situação do deputado Donadon é ainda mais complexa. Ele foi condenado a 13 anos e quatro meses de prisão por peculato e formação de quadrilha e suas chances de continuar recorrendo teriam se esgotado, depois do julgamento de apelações pelo STF. Tanto que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, solicitou ao Supremo a execução imediata da pena, definida em outubro de 2011.

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Como alguém julgado há tanto tempo, em última instância, ainda continua em liberdade? Resposta simples: o parlamentar conta com as inúmeras chances de protelar até mesmo o cumprimento das determinações da mais alta Corte do país.

Argumenta o procurador que somente a prisão imediata do político representará o reconhecimento da efetividade da decisão do Supremo. Os dois casos, que podem se juntar a inúmeros outros, deveriam inspirar a retomada do debate em torno da reavaliação, pelo Judiciário, pelo MP, por profissionais da área e pelo Congresso, do latifúndio de recursos que atrapalham a Justiça.

A confiança no Judiciário, que explica a popularidade do ministro Joaquim Barbosa, cuja máscara para o Carnaval é campeã de vendas, não pode ser frustrada por obstáculos que, em vez de reafirmarem os avanços do julgamento do mensalão, continuam a adiar o cumprimento de sentenças e a favorecer a impunidade.