IMORALIDADE TOLERADA
Antecipando-se ao julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, que provavelmente será realizado apenas no ano que vem, o Partido dos Trabalhadores aprovou no final do mês passado a refiliação do ex-tesoureiro Delúbio Soares, quase seis anos após a sua expulsão por gestão temerária. Em 2005, quando o escândalo estourou, ele foi afastado pelos próprios companheiros de agremiação por seu envolvimento direto no pagamento de propina a parlamentares aliados do governo. Agora, sob o pretexto de que ninguém pode ser condenado a pena perpétua no país, o diretório nacional do PT – com 60 votos favoráveis e 15 contrários – decidiu-se pela reabilitação do filiado proscrito.
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O resgate de um militante excluído poderia ser considerado assunto de economia interna de uma agremiação política se por trás desta decisão não estivesse a tese estapafúrdia de que o mensalão é uma ficção. Mesmo depois de ampla investigação e da denúncia que arrolou 38 pessoas como réus de um esquema delituoso de compra de votos, lideranças importantes do partido do governo continuam insistindo em que tudo não passou de invenção da imprensa. Mais do que isso: apostam na falta de memória da população para reabilitar os companheiros e, de certa forma, pressionar os ministros do Supremo por um julgamento condescendente.
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Realmente, uma parcela do eleitorado parece ter esquecido o episódio ou também compartilha da tese conspiratória, pois pelo menos um integrante do grupo denunciado foi reeleito e hoje, inclusive, preside a mais importante comissão da Câmara Federal, a Comissão de Constituição e Justiça. Trata-se do deputado João Paulo Cunha, de São Paulo, que na época foi acusado de receber R$ 50 mil do empresário Marcos Valério, operador do esquema. O parlamentar foi acusado dos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. Já Delúbio Soares, que assumiu a responsabilidade pelas irregularidades para eximir de culpa o partido e suas lideranças, é acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha.
Esses enquadramentos não foram inventados pela imprensa. Fazem parte da denúncia apresentada pelo então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e acatada pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo o procurador, os réus faziam parte de uma organização criminosa dividida em três núcleos: o político-partidário, o publicitário e o financeiro. São tantos os detalhes constantes nas 40 mil páginas do processo, que fica difícil sustentar a tese da ficção.
Não é, portanto, apenas um problema do PT este retorno de Delúbio Soares à ribalta da vida política, com o propósito declarado de se candidatar à vereança brevemente. É, isto sim, um desafio à seriedade das instituições e também uma provocação às convicções éticas dos cidadãos. Ao perdoar um pecador que, no dizer de Renato Simões – integrante da corrente Militância Socialista e um dos 15 votos contrários à refiliação de Delúbio -, sequer se arrependeu de seu pecado, o partido que cativou parcela expressiva do eleitorado com a bandeira da honestidade afasta-se um pouco mais de seus antigos valores.