O Diário Catarinense adianta o editorial que publicará no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 19h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa. Ao deixar comentário, informe nome e cidade.
Continua depois da publicidade
PATRULHAMENTO CULTURAL
Igualdade racial e de gênero, acessibilidade e políticas afirmativas são conceitos nobres e sua aplicação prática representa inquestionável evolução da sociedade brasileira. Porém, sob o pretexto de defesa dessas meritórias causas, desenvolve-se no país um preocupante movimento de patrulhamento cultural que invariavelmente apela para a censura como antídoto para o que seus militantes consideram politicamente incorreto. É o que se percebe, agora, na polêmica campanha pelo veto a obras de Monteiro Lobato na rede pública, episódio que já chegou ao Supremo Tribunal Federal. Na mesma direção, vai o pedido de proibição de um filme norte-americano em cartaz nos cinemas do país, que mostra um ursinho consumindo droga.
No caso do livro, é inegável que a terminologia utilizada pelo escritor em sua época já não se adéqua aos tempos atuais. Mas isso não invalida nem desmerece sua obra, inegavelmente uma das mais ricas da literatura brasileira. Eram outros tempos _ e esta deve ser a explicação para as crianças que receberem o livro. Em vez de proibir, retirando dos leitores a oportunidade de conhecer e de debater o viés racista da passagem, o mais sensato é promover uma leitura orientada, com ênfase nas mudanças de costumes. Trata-se, acima de tudo, de um retrato de época. Basta lembrar que jornais, livros e outros registros do período escravocrata divulgavam verdadeiras atrocidades como fatos absolutamente normais. Conhecê-los, assim como a desarrazoada comparação feita pelo escritor, é fundamental para que a história não se repita.
Continua depois da publicidade
Quanto ao filme, que realmente dá visibilidade ao consumo de drogas, vale lembrar que já foi submetido à classificação indicativa prevista pela legislação brasileira. A Constituição não prevê nem admite censura. Até cabe o questionamento sobre a idade mínima dos assistentes, mas a retirada do filme de cartaz, como chegou a ser cogitada, serviria apenas para valorizá-lo. A melhor censura para obras de mau gosto é a rejeição do público.
O desafio de uma sociedade que se pretende democrática e humanista é fazer acordos de convívio e reciprocidade. Precisamos de regras, sim, precisamos erradicar a cultura da discriminação, que também se manifesta na linguagem, no humor, nos meios de comunicação e também em produções artísticas e culturais. Mas sem esse verdadeiro macarthismo em que está se transformando o politicamente correto _ escudo semântico cada vez mais utilizado pelos militantes da proibição. Os brasileiros não precisam de tutores que lhes digam o que devem ler ou assistir. Esse tempo já passou. Agora vivemos numa democracia: temos leis, temos instituições eficientes e temos, principalmente, cidadãos conscientes e capacitados para gerir seus próprios destinos.