O diario.com.br adianta o editorial que publicará no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Comentários enviados até as 19h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa.

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Extorsão não é profissão

Rua é espaço de domínio público que a ninguém é lícito “privatizar” a qualquer título. As vias públicas são de uso coletivo desde que a humanidade, no alvorecer da História, começou a edificar cidades para se defender de seus inimigos e predadores. Mas hoje, em pleno século 21, há aproveitadores que não pensam assim, e ousam apropriar-se desses espaços públicos, como a eles tivessem direito, para explorá-los em proveito próprio. Nos nossos cenários urbanos de maior porte, esses aproveitadores atendem pela designação de “flanelinhas”.

No vizinho Estado do Rio Grande do Sul, o município de Novo Hamburgo aprovou e colocou em execução uma lei que proíbe a ação dos chamados guardadores de carros. Os indivíduos que forem flagrados achacando motoristas serão encaminhados a programas sociais voltados para uma atividade produtiva. Na reincidência, terão que prestar contas numa delegacia e responderão por prática ilegal.

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Trata-se de uma decisão política merecedora de aplausos, considerando-se que os administradores públicos costumam capitular diante da extorsão institucionalizada para não serem acusados de autoritarismo ou de discriminação social. Basta observar, por exemplo, que algumas cidades importantes do país chegaram ao ponto de oficializar a absurda atividade, credenciando seus executores como “protetores do patrimônio”.

Ora, é mais do que sabido que os alegados guardadores de automóveis nada protegem. Pelo contrário, cobram uma espécie de pedágio para o veículo estacionar e, em seguida, embolsado o dinheiro, desaparecem do local. Todo frequentador de espetáculos públicos sabe que encontrará o achacador na chegada. Mas jamais o verá na saída. E a maioria paga o tributo do medo, pelo justificado temor de que seu veículo ficará sob risco em caso de recusa de pagamento. Uma execrável chantagem, que não pode ser admitida.

O exemplo de Novo Hamburgo deveria inspirar iniciativas semelhantes em outras cidades igualmente infestadas e atormentadas por este tipo de atividade ao arrepio da lei. Florianópolis é uma delas. Na Capital dos catarinenses, hordas de “flanelinhas” apropriam-se do leito das ruas e até mesmo das suas calçadas, exigindo propinas – na temporada de verão as “tarifas” vão às alturas -, e agindo com truculência diante do mínimo protesto do cidadão achacado, que não encontra respaldo da autoridade contra esta humilhação. Há que dar um basta a tal distorção.

Em tempos de desemprego, uma situação desse tipo até poderia ser tolerável. Mas o país vive um momento de plena ocupação. Há vagas no mercado de trabalho até mesmo para pessoas sem formação profissional. Quem tenta contratar um trabalhador para qualquer serviço doméstico, da jardinagem à limpeza, sabe que terá de procurar muito. Então, qual seria a justificativa para a subvenção de indivíduos que se apossam de espaços públicos sem proporcionar qualquer benefício aos seus verdadeiros donos, que são os cidadãos?

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Quando finge que não vê a ação deletéria de “flanelinhas”, o poder público transforma-se em cúmplice de uma atividade ilegal. Quando autoriza o exercício da extorsão, assina um atestado de incompetência e capitulação. Ainda que nem todos os indivíduos envolvidos em tais práticas possam ser considerados desonestos, sabe-se que a atividade é um campo fértil para marginais e criminosos.

O exercício da profissão de guardador e lavador autônomo de veículos é previsto em lei federal de 1975, cabendo aos municípios criar normas específicas para disciplinar esses trabalhadores. Mas o reconhecimento da atividade não dá direito a ninguém de se apropriar de espaço público e, muito menos, de exigir propina. O nome correto disso é usurpação – crime, portanto.