O Diário Catarinense adianta o editorial que os jornais da RBS publicarão no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 18h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa.
Continua depois da publicidade
ESTA LEI TEM QUE PEGAR
A Lei de Acesso à Informação é instrumento indispensável para a consolidação de uma esfera pública na qual possam ser debatidos os grandes problemas nacionais.
Mais novo integrante do time de países que preveem em lei o acesso dos cidadãos a dados e documentos em poder do Estado, o Brasil tem motivos para comemorar esse importante passo em prol da liberdade de informação. A Lei de Acesso à Informação, que entra em vigor na quarta-feira, garante a qualquer brasileiro o direito de conhecer dados revestidos de interesse público em poder da União, dos Estados e dos municípios. Não mais de 50 dos 193 Estados nacionais contabilizados atualmente no planeta dispõem de legislação semelhante. Trata-se de instrumento indispensável para a consolidação, em nosso país, de uma esfera pública na qual possam ser medidos, analisados e debatidos os grandes problemas nacionais.
Continua depois da publicidade
Pode-se dizer que o grau de maturidade de uma democracia se aquilata pela extensão do acesso dos cidadãos à informação pública. A história do Brasil é povoada de episódios desabonadores nesse terreno. Um dos mais lamentáveis foi a decisão de Rui Barbosa, ministro da Fazenda do primeiro governo republicano encabeçado por Deodoro da Fonseca, de ordenar a queima, em 1890, dos registros de propriedade de escravos existentes em cartórios e comarcas. Acontecimentos ainda mais remotos, como a Guerra do Paraguai (1864-1870), ainda são cercados de um cada vez mais extemporâneo “segredo de Estado”. Recentemente, o debate que marcou a decisão de se criar a Comissão da Verdade teve como pano de fundo a recusa de setores do Estado em tornar públicos os dados oficiais sobre acontecimentos do período entre 1964 e 1985.
É grande o ceticismo sobre os efeitos da Lei de Acesso à Informação. Deve-se o descrédito, em parte, ao inaceitável hábito de parte da elite brasileira de dividir as leis entre as que “pegam” e as que “não pegam”. O amadurecimento político e institucional e a universalização do ensino tendem a erradicar esse tique autoritário, herança de um passado clientelista e patrimonialista. De natureza distinta é a possibilidade de que as autoridades enfrentem empecilhos de ordem burocrática e administrativa para atender à demanda por informação, como de resto é reconhecido pelo próprio controlador-geral da República, Jorge Hage. Igualmente grave é a possibilidade de que, enquanto a lei prevê sanções para servidores públicos federais que prevaricarem em relação a sua aplicação, não existe semelhante previsão no caso de Estados e municípios. A solução necessária passará pela aprovação de legislações estaduais e municipais específicas.
Chamado a desempenhar um novo papel na ordem econômica e política mundial e a assegurar cidadania a uma população que se aproxima da casa dos 200 milhões, o Brasil tem, a partir de quarta-feira, na Lei de Acesso à Informação um instrumento contra alguns dos mais nocivos costumes institucionais arraigados entre nós. Pela mesma razão, trata-se de uma lei a favor da democracia, da igualdade e da liberdade de informação, e como tal deve ser saudada.