O Diário Catarinense adianta o editorial que publicará no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 18h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa.
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FUTEBOL, CERVEJA E SOBERANIA
Está virando uma verdadeira guerra de posições radicais e de antagonismos políticos o debate em torno da liberação de bebidas alcoólicas no interior dos estádios de futebol durante a Copa do Mundo de 2014. Ao tentar transferir para os Estados a decisão, o governo provoca uma confusão maior, pois desperta o oportunismo de políticos interessados em fazer média com os grupos que se digladiam em torno do assunto.
Quando o Brasil foi confirmado como sede do Mundial, em 2007, o governo assumiu o compromisso de permitir à Fifa a comercialização dos produtos de seus patrocinadores – entre os quais a marca de cerveja associada à entidade máxima do futebol mundial.
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Posteriormente, em 2010, entrou em vigor no país o Estatuto do Torcedor, que restringe a permanência nos estádios de quem portar objetos, bebidas ou substâncias suscetíveis de gerar violência. Para disciplinar a regra genérica, alguns Estados aprovaram legislação própria que proíbe o consumo de álcool no interior das praças esportivas. Em consequência, criou-se o impasse: a Fifa exige o que foi acordado, o governo federal obriga-se a cumprir o compromisso assumido, mas não parece disposto a enfrentar o desgaste político de contrariar setores que consideram a exigência afrontosa à soberania nacional.
Não se trata disso, nem o governo pode se omitir neste momento. Trata-se, isto sim, de honrar um compromisso assumido. O que está em jogo, no caso, é a credibilidade do país. Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitou os termos impostos pela Fifa, o Brasil inteiro assinou embaixo – e festejou a conquista do direito de organizar a sua segunda Copa do Mundo. Agora, não pode simplesmente alegar que as regras mudaram.
Sabe-se, pelo testemunho dos policiais que atuam nos espetáculos esportivos, que a proibição do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios, vigente em sete Estados da federação (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Bahia e Rio Grande do Sul), provocou visível redução de conflitos entre torcedores. O veto, portanto, deve ser mantido nas demais competições. Não há motivo para que o Estatuto do Torcedor seja revogado.
Mas, sem qualquer afronta à soberania e a leis democraticamente aprovadas, o Mundial permite a adoção de regras transitórias, que garantam a comercialização dos produtos vetados apenas durante os 64 jogos do evento internacional, nos quais a segurança estará extremamente reforçada.
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Não podemos nos enganar: o governo brasileiro assumiu o compromisso de liberar a venda de bebidas alcoólicas na Copa. Agora, devido à crise de sua base de apoio no Congresso, articula para jogar a batata quente no colo dos gestores estaduais. O mais honesto seria adotar a tese do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, de que é possível, sim, suspender os vetos durante um evento específico e retomá-los depois da competição. É o caminho que nos parece mais indicado para assegurar a normalidade da competição e preservar a credibilidade do país.