O diario.com.br adianta o editorial que os jornais do Grupo RBS publicarão no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados.
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O EXEMPLO E A LERDEZA
Uma autoridade francesa surpreendeu o Brasil recentemente, ao tomar uma decisão, transmitida pela TV, que subverte as desculpas e as protelações feitas em nome da lei, no pantanoso mundo das burocracias. Ao ser informado por um repórter da TV Globo sobre o drama de uma família haitiana, cujo filho de 11 anos foi trazido ilegalmente para o Brasil, o governador Daniel Ferrey, da Guiana Francesa, decidiu na hora. O menino poderia ser acolhido pela mãe, que desde 2003 reside na Guiana. Ferrey emocionou os brasileiros, ao consultar por telefone o setor de imigração da Guiana e tomar a providência no exato momento em que foi consultado pelo repórter, quando se esperava que respondesse com a retórica dos detentores de cargos públicos, com firulas e evasivas.
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Com a providência, o desfecho do caso é transferido para o Brasil, para onde o menino foi trazido por uma rede de tráfico de crianças. Daniel Ferrey pode até ser uma exceção entre as próprias autoridades francesas. Mas sua agilidade, diante do drama vivido pela família haitiana, é um exemplo da capacidade de decisão de uma autoridade confrontada com uma situação que exige providências, e não adiamentos. O que o Brasil fará agora com o caso do adolescente sequestrado? Espera-se que não conduza o episódio para os labirintos das repartições e dos departamentos, anulando a presteza com que Ferrey tratou o caso do menino retirado da mãe há oito anos e que comoveu os brasileiros.
Os demorados trâmites que certamente envolverão o reencontro da família não levam em conta essa e outras urgências que sensibilizaram o governador francês. O haitiano foi trazido pelos traficantes para o país das embromações, em todas as áreas, e não só nas que envolvem dramas humanos e afetos. A cultura da burocracia, da lerdeza e da transferência de responsabilidades é uma herança histórica que, ao invés de corrigir, os governantes, sucessivamente, mantêm e ampliam. Atravancam-se diante de ações do próprio setor público, de empreendedores e do cidadão comum. Tudo é demorado. A estrutura burocrática, um ente com vida própria nos governos, em todas as esferas, sobrevive da cumplicidade com o compadrismo político, a ineficiência funcional, o corporativismo.
É assim que o país conspira contra a livre iniciativa, ao retardar deliberações em todos os segmentos da economia, de uma licença ambiental a uma resolução nas emperradas agências reguladoras. Falta agilidade, integração entre os órgãos governamentais e convergência com outras instituições. São limitações que não se restringem ao poder executivo, mas contaminam o Legislativo e também o Ministério Público e a Justiça, estes por deficiências de recursos e também pela incapacidade de agir com presteza e agilidade.
O país que atrapalha a vida cotidiana nas áreas essenciais da saúde, da educação e da segurança, que se enreda em regulações e, com tantos entraves, fomenta o clientelismo e a corrupção, só pode aspirar a transição de emergente para potência mundial se conseguir se livrar da condição de uma das nações mais burocratizadas do mundo. Os avanços dependem de mudanças profundas em leis, processos e atitudes, da busca pela excelência no serviço público e, enfim, de lideranças com a veemência do governador francês.
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