Há uma série de pequenos documentários na internet (experimente clicar “território de brincar “) que me prendeu numa dessas noites insones e resgatou lembranças diversas. O material versa sobre como as crianças brincam nesta vastidão territorial chamada Brasil. Brincadeiras de rua, em que normalmente se constrói o próprio brinquedo. Você, leitor e leitora, lembra do que brincava e consegue fazer uma relação com o que diverte as crianças hoje?
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A urbanização, a mudança de hábitos e a velocidade da tecnologia parecem ter criado uma distância enorme. Lendo e olhando os capítulos dos minidocumentários, em que tudo vira um brinquedo nas mãos de crianças com tempo e espaço para serem crianças, viajei ao tempo em que puxar um carrinho de plástico amarrado a um barbante distraía por horas. Era um repertório infinito do que fazer e criar.
Vem de bom tempo que as ruas e os quintais perderam esta movimentação inventiva, pelo menos nas cercanias em que passo os olhos. O lúdico (é impressão pessoal) parece estar muito na teoria e na memória de quem efetivamente experimentou. O que temos agora, “tecnolúdico”?
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Resgato escritos de 2006, quando Júlia (hoje prestes a fazer 15 anos) usava laço de fita e maria-chiquinha nos então cabelos cacheados. Naquela época, registrei nestes termos uma experiência inesperada com ela:
“Chove fino nesta manhã e a criança precisa brincar. Tudo já foi testado,
há carência de novidades neste confinamento que a chuva impõe. Ideia!!!: achamos duas latas vazias de Nescau. Emendo pedaços de corda velha, furo o fundo das latas e recrio brinquedo de infância: o pé de lata, nunca visto pela menina. Vamos brincar na garagem. Meus primeiros passos montado no “invento” são tortos, molengas, vacilantes. O tempo passou, o equilíbrio para estas coisas se foi, mas volta num repente, entre risos.
A menina está pronta para ser iniciada. Agarra minha manga, acomoda a corda no vão do dedão do pé direito, escala a segunda lata, desvencilha-se de mim, treme, verga para trás e para frente, não consegue manter a corda esticada, tropeça, cai e tenta de novo.
A chuvinha passou, vamos à calçada, atraímos atenção, caímos e levantamos. Estamos vencendo a luta contra o desequilíbrio, e os hematomas já são medalhas que ganhamos nesta prova. A brincadeira com o “desconhecido” pé de lata vai longe na rua.
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Ela está faceira como filhote de gato atrás da cortina. Não foi apenas uma brincadeira. Foi um reatamento histórico.”
Agora me deu vontade de construir uma arapuca, com bambu rachado, taquara por taquara. Não com objetivos predadores. Pelo prazer juvenil que remoça a gente.