O mais celebrado par romântico da literatura inglesa teve um final típico de sua autora, Jane Austen. Quando enfim se admitiram apaixonados, Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy se casaram e viveram felizes na mansão Pemberley. Mas, passados dois séculos do lançamento de Orgulho e Preconceito, um crime assombra a harmonia do casal.
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A renomada escritora policial P. D. James decidiu correr o risco de escrever uma sequência para o maior clássico de Jane Austen – e o ponto de partida, claro, é um assassinato. Por via das dúvidas, em nota, ela pede desculpas ao espírito de Austen por envolver seus mais caros personagens em uma investigação policial.
Recém-lançado no Brasil, Morte em Pemberley interrompe a paz doméstica dos Darcy cerca de seis anos após o conhecido final feliz, em 1803. Elizabeth, agora uma mãe de dois garotos, às voltas com as responsabilidades de uma dama da alta sociedade, está organizando um baile. Na véspera do grande dia, todos são surpreendidos com a notícia do assassinato de um capitão do exército na floresta da propriedade.
Na trama que se desenrola a partir daí, sobressai o esforço de P. D. James para reverenciar Austen e o universo que ela criou. Não é preciso, contudo, ter lido Orgulho e Preconceito para embarcar em Morte em Pemberley. Apenas se perde boa parte da graça: o desafio do leitor ao longo das 341 páginas é identificar as referências a detalhes e personagens do romance de 1813. A começar pelo principal suspeito do assassinato, velho conhecido dos fãs de Austen: o ambicioso sedutor George Wickham, casado com a irmã caçula de Elizabeth, é encontrado com as mãos sujas de sangue ao lado do oficial morto.
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No curso da investigação, os leitores de P. D. James poderão sentir falta do detetive Dalgliesh, personagem dos mais famosos livros da autora, e de um mistério mais instigante – ainda que dificilmente estranharão as descrições cuidadosas de cenários e personagens e o ritmo sem pressa com que a trama avança. Já os admiradores de Austen serão guiados pelo prazer do reencontro. Só não espere se deleitar com a mesma fina ironia com que ela permeava os rapapés de sociedade e os dramas de família, muito menos os duelos verbais entre Elizabeth e Darcy.
A tensão entre eles, que motivou os melhores diálogos de Orgulho e Preconceito, agora é coisa do passado. Em vez dos enfrentamentos, P. D. James prefere, lá pelas tantas, reeditar a cena em que o senhor de Pemberley confessa à sua amada seus erros de julgamento na ocasião em que se conheceram (leia-se na obra original). Dispensável. Austen já havia escrito – e melhor – esse mesmo acerto de contas apaixonado.
Morte em Pemberley, mais do que tudo, reafirma a perenidade do romance Orgulho e Preconceito, que já ganhou uma dezena de adaptações para cinema e TV, além de uma versão zumbi. A homenagem de P. D. James impõe-se, assim, como um convite a ler e reler um clássico que nunca perde a forma.
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Quanto ao desfecho, a fã de Austen segue a cartilha dos finais felizes para que Elizabeth e Darcy possam reencontrar a paz. Até a próxima sequência.
O original
Na Inglaterra da virada do século 18 para 19, a sra. Bennet faz de tudo para casar suas cinco filhas. Quando chegam dois solteiros ricos à cidade, a mais arguta das jovens, Elizabeth, antipatiza de cara com o orgulhoso Fitzwilliam Darcy – ele, por sua vez, fica chocado com os maus modos da família Bennet. Entre um baile e outro, eles irão rever suas primeiras impressões.
Orgulho e Preconceito, Jane Austen, Romance. Tradução de Alexandre Barbosa de Souza. Penguin-Companhia, 576 páginas, R$ 32.
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A musa
Jane Austen (1775 – 1817) é um dos maiores nomes da literatura inglesa, autora de clássicos como Razão e Sensibilidade (1811), Orgulho e Preconceito (1813) e Emma (1816). Seus livros invariavelmente apresentam as peripécias de mocinhas casadoiras, mas subvertem, com ironia, o estilo água-com-açúcar de romances sentimentais. Com personagens bem construídos, a escritora britânica faz uma apurada crônica dos costumes e da situação da mulher em seu tempo.
A sequência
Casados e felizes há seis anos, o sr. e a sra. Darcy são obrigados a cancelar um grande baile na mansão onde vivem com os filhos. Motivo: um capitão do exército é assassinado na floresta da propriedade. Para piorar o cenário, o principal suspeito é alguém da família. Volta à cena o sedutor George Wickham, o homem que atentou contra a honra da irmã de Darcy, quase desencaminhou uma das irmãs de Elizabeth, casando-se obrigado com ela e se tornando um fardo para todos.
Morte em Pemberley, P. D. James. Mistério. Tradução de Sonia Moreira. Companhia das Letras, 344 páginas, R$ 44.
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A fã
Phyllis Dorothy James nasceu em 1920, na Inglaterra, e estreou como escritora aos 42 anos, tornando-se um nome de referência da literatura policial. Seu personagem mais famoso é o inspetor da Scotland Yard – e poeta – Adam Dalgliesh, sempre às voltas com crimes envolvendo a aristocracia britânica. Entre seus títulos lançados no Brasil estão Uma Certa Justiça, Pecado Original e Mortalha para uma Enfermeira.
A Quinta
Testemunha, Michael Connelly, Policial. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Suma de Letras, 422 páginas, R$ 44,90