O uso de fotos para o reconhecimento de suspeitos de crimes virou pauta nacional no último domingo (21) em uma reportagem do programa Fantástico, que levantou casos de prisões injustas com base em identificações feitas sem critérios. O uso desse tipo de prova não é recomendado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde outubro do ano passado, após o julgamento que reverteu a condenação de um inocente em Tubarão, no Sul de Santa Catarina.]

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> Justiça de SC descumpre orientação contra reconhecimento por foto como prova de condenações, diz relatório

Um relatório inédito feito pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina (DPE-SC) mostra que o Judiciário catarinense não vem seguindo a recomendação do STJ até o momento e, além disso, aponta uma falta de protocolos dentro dos inquéritos policiais que, em algum momento, utilizaram o reconhecimento fotográfico para sugerir uma condenação.

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Coordenador do Cecadep (Centro de Estudos, de Capacitação e de Aperfeiçoamento da Defensoria Pública de SC) e autor do relatório, o defensor público Thiago Yukio Guenka Campos é enfático ao dizer que o reconhecimento de suspeitos por fotos ocorre em “absoluta informalidade” nas delegacias catarinenses.

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– A gente não tem dados, é uma caixa preta, não sabe de onde vem. Existe uma ausência de protocolo, um padrão. O uso das fotos é possível mesmo que não tenha previsão na lei, mas como a lei não se aplica, cada um fazia de uma forma. Tem delegacia que usa foto do Facebook, tem delegacia em que o próprio policial tira a foto do suspeito e mostra para a vítima, tem delegacia que entrega a foto e a pessoa leva para a vizinha que foi testemunha ver. É uma absoluta informalidade – afirma Yukio.

Conforme o novo entendimento do STJ, identificações com base em fotos não podem ser usadas como provas em processos criminais. No máximo, como um embasamento para início de uma investigação. O movimento contra esse tipo de provas se embasa em estudos científicos que mostram os problemas com essa forma de identificação. Yukio cita, por exemplo, o problema em apenas uma foto ser mostrada para uma vítima de um crime, sem outras imagens de comparação:

– O ato sugestiona a vítima, ela tem a propensão a confirmar, ela se contamina. Isso não pode servir como prova. A vítima tem que fazer uma descrição do autor do crime, isso tem que ser gravado, e a partir dessa descrição as fotos devem ser colocadas, mais de uma, e conduzidas por um policial isento, que não conhece o suspeito, para que ele não reaja e indique. Protocolos internacionais dizem que não serve para nada mostrar apenas uma fotografia e perguntar para a vítima se é aquela pessoa.

No levantamento de 26 condenações julgadas em Santa Catarina após a decisão de outubro do ano passado, a DPE encontrou diversos casos de informalidade e falta de protocolo no uso de fotos nas delegacias. Um exemplo é o tempo após o crime: enquanto em um dos casos a identificação fotográfica ocorreu no dia do crime, em outro a vítima indicou um suspeito cinco anos e dois meses depois do fato.

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O relatório diz também que é frequente a menção a trocas de mensagens com fotos dos suspeitos pelo WhatsApp, ou situações em que, durante depoimentos, as vítimas são questionadas apenas para confirmarem alguma suspeita dos investigadores, pressionando a identificação.

Em um dos exemplos, o levantamento da Defensoria Pública cita a seguinte fala: “As pessoas que foram pegas hoje com essas armas aqui e com o seu veículo são essas duas pessoas aqui, né?”

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Em relação ao perfil das pessoas envolvidas, o levantamento mostra que 68% das vítimas que indicaram reconhecer algum criminoso por fotos eram brancas. Do outro lado, 51% dos acusados em fotos eram negros.

Além do caso emblemático em Tubarão, em que uma condenação foi revertida e motivou a mudança de entendimento do Judiciário brasileiro, um outro caso em Santa Catarina está na pauta do STJ questionando exatamente o reconhecimento fotográfico. Trata-se de uma prisão que ocorreu em Lages, na Serra de SC, baseada exclusivamente em uma identificação feita pela televisão.

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Conforme o relato da Defensoria Pública, um homem foi acusado e condenado por estelionato em uma situação envolvendo a venda de um veículo. Uma das vítimas teria, tempo depois, visto uma reportagem na televisão que mostrava uma pessoa que, segundo ela, seria o suspeito. Ela levou a imagem até a delegacia e, com base naquele relato, o homem foi preso e condenado. A defensoria pública pede o habeas corpus do acusado, que teria sido identificado de forma equivocada e acabou condenado a um ano e quatro meses de prisão. A condenação ocorreu em julho de 2019, foi mantida em novembro de 2020 e, agora, espera revisão do STJ. 

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O que diz a Polícia Civil de SC

Em nota, a Polícia Civil de SC disse que foi comunicada sobre a decisão do STJ no dia 12 de novembro, por meio de despacho da Secretaria de Segurança Pública de SC, e que “adotou as providências internas pertinentes”.

A nota afirma também que “uma série de instrumentos de investigação costuma instruir os seus inquéritos policiais, todos amparados pelo devido processo legal, o que faz, por exemplo, que a Instituição tenha destaque nacional com um dos melhores índices de esclarecimento de homicídios do país”, e que a instituição “preza pela alta capacitação de seus policiais”.

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