Único brasileiro no elenco de Tabu, Ivo Müller é um catarinense (de Florianópolis) de 35 anos radicado em São Paulo. Atuante no teatro, antes pôde ser visto no longa Outra Memória (2005), de Chico Faganello, e, entre outros curtas-metragens, em Dicionário (2012), de Ricardo Weschenfelder, exibido no Festival de Gramado do ano passado.
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Ele aparece na segunda metade do filme de Miguel Gomes, no papel do marido traído da protagonista. Como diz na entrevista a seguir, trata-se de uma participação “inesquecível”:
Zero Hora – Como foi participar de Tabu? Da seleção, em Portugal, às filmagens, em Moçambique?
Ivo Müller – Havia uma cota pela participação brasileira na produção, e o (diretor) Miguel Gomes queria preenchê-la com um ator e um técnico do país na equipe. A seleção para a vaga de ator teve 500 candidatos. Fiz testes de vídeo. Já em Lisboa, ele me apresentou um roteiro inicialmente batizado Aurora. O prólogo do filme era totalmente diferente, também. Cheguei a perguntar se ele queria que eu visse os filmes do Murnau. Respondeu que não, que o melhor era construir o personagem com menos referências, deixando a intuição responder pela composição.
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ZH – O fato de não haver diálogos na segunda parte, na qual se vê seu personagem, é determinante para essa composição. Valoriza os trejeitos do ator, por exemplo.
Müller – Toda a segunda parte é um grande flashback. Trabalha uma característica da memória, que é a imprecisão. Quando lembramos algo, geralmente as imagens são mais marcantes do que as palavras. Nesse sentido, compor o personagem a partir de referências imprecisas funcionou bem. O Miguel dá muita liberdade aos atores, mas dentro de um limite. Ele sabe bem o que quer.
ZH – Trata-se de um projeto diferenciado em todos os sentidos. Imagino que a experiência do set também tenha sido especial.
Müller – Chegar ao lugar das filmagens, em Moçambique, e sentir o clima já representou 40%, talvez 50% da preparação. Ficamos hospedados numa cidade muito pequena. Desde que cheguei, as crianças riam muito do meio jeito de andar, achavam estranho. Aquilo foi fundamental para compor o personagem: passei a me ver com humor e a perceber o quanto o colonizador branquelo pode ser engraçado. A compleição física de fato fica ressaltada num projeto assim, com uma dramaturgia sem diálogos.
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ZH – Ao ver o filme pronto, você de algum modo ficou surpreso?
Müller – Fiquei impactado. Até porque Tabu foi muito alterado na montagem. Vê-lo no cinema foi arrebatador. Mas há de se considerar que o assisti no Festival de Berlim, e só o fato de estar lá já representava um impacto para mim. Não sei o quanto do baque foi provocado pelo filme e o quanto o foi pelo contexto. Mas não tenha dúvidas de que Tabu é um daqueles “filmes da vida”. Ainda vou colher muitos frutos a longo prazo por ter participado deste projeto. Foi inesquecível, vai ficar para sempre.