O vídeo que mostra uma mulher destruindo uma estátua de Iemanjá a marretadas revoltou a comunidade do bairro Ribeirão da Ilha, em Florianópolis, e também o teólogo Guaraci Fagundes. O caso aconteceu na manhã desta quinta-feira (19). A Polícia Civil está investigando, mas ainda não conseguiu identificar a pessoa que aparece nas imagens.
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— Aquilo é um ato brutal de intolerância religiosa, que é identificado como uma espécie de crime de racismo. É passível de denúncia ao Ministério Público Federal — afirma o teólogo.
Para ele, a atitude da mulher contradiz a tradição florianopolitana, de acolhimento às mais diversas expressões religiosas. Embora os primeiros imigrantes europeus tenham trazido as próprias origens católicas na colonização, representadas em igrejas e outras construções, histórias de bruxas, tradições indígenas e africanas fazem parte do folclore local.
Nossa cidade sempre foi muito acolhedora com as religiões. O Franklin Cascaes sempre falou muito da cultura das bruxas", diz o teólogo, citando o artista, pesquisador, ecologista, e folclorista, que resgatou a lenda das bruxas para a cultura do litoral catarinense.
Fagundes lembra que as religiões de matriz africana, como a umbanda, pregam o amor, a paz e a reflexão entre as pessoas. Ele acredita que atos assim são motivados por discursos preconceituosos e afirma já ter presenciado diversas práticas de afronta de civis e autoridades a pessoas que creem em deuses africanos.
Assista ao vídeo
— Na Câmara Municipal, participei de vários embates. Teve um projeto de lei de um vereador pedindo para tirar ponto de ônibus perto de terreiros em Florianópolis. A Constituição do Brasil protege as religiões, o Estado não pode se intrometer. Culto não pode ser parado por nenhuma autoridade de Estado. Ninguém pode parar um culto religioso em andamento — lembra.
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Para o teólogo, uma eventual punição à mulher que destruiu a estátua pode servir como forma de evitar novos ataques.
Ela tem que ser penalizada. Tem que ser intimada a comparecer pelo procurador competente. Ou paga por aquilo ali ou vai responder a processo.
Intolerância religiosa é considerada crime
Segundo a legislação brasileira, a intolerância religiosa é considerada crime. A lei 7.716/1989, alterada pela lei 9.459/1997, define como crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. A pena prevista é de um a três anos de reclusão e multa.
Além disso, o artigo 208 do Código Penal prevê sanções a quem "vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso". Nesse caso, a pena prevista é de detenção de um mês a um ano, ou multa.

A liberdade de consciência religiosa e de crença é uma das garantias previstas também na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso VI.
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O advogado Alexandre Canella, presidente da Comissão de Liberdade de Expressão da OAB-SC, afirma que o caso desta quinta-feira se encaixa na definição prevista no Código Penal, de vilipendiar publicamente objeto de culto religioso.
— Ao longo da história, a gente tem vários exemplos por conta de intolerância religiosa, inclusive com guerras, no mundo inteiro. No Brasil, felizmente, a gente tem um convívio pacífico entre as religiões. É uma coisa isolada ver fatos como esse, embora sempre possa haver algum radicalismo — avalia o advogado, ressaltando o fato de que ainda não se sabe as circunstâncias e a situação da pessoa envolvida no caso retratado no vídeo.
Estátua já foi vandalizada antes
Esta não é a primeira vez que a estátua que retrata Iemanjá foi vandalizada. A imagem colocada no local pela Sociedade Ylê de Xangô, já foi alvo de pichações e de um vândalo, que destruiu parte da estrutura, em novembro de 2018. Em todas as ocasiões, foram os membros da entidade que juntaram recursos para recuperar a peça.
O local onde a estátua está tem uma importância religiosa e turística para o bairro do Ribeirão da Ilha. Diariamente, várias pessoas param no local para tirar fotos, prestar homenagens ou fazer orações. Na tarde desta quinta-feira, muitos carros reduziam a velocidade e outros desciam para ver o tamanho do estrago, depois que as imagens foram divulgadas em redes sociais.
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O vendedor Ricardo Abreu, que mora no Campeche, disse que viu o vídeo e foi verificar o que tinha acontecido. Ele conta que é evangélico e que não concorda com a atitude da mulher que destruiu a estátua. Para ele, cada um segue a doutrina e a religião que quiser. O homem defende ainda a punição da mulher que aparece nas imagens.
[Ela] tem que vir e mandar refazer. As pessoas da umbanda não vão lá atrapalhar o culto.

Convivência pacífica
Diane Rodrigues dos Santos, da Sociedade Ylê de Xangô, diz que a convivência da entidade com os moradores do Ribeirão da Ilha é pacífica. Segundo ela, os moradores são bastante respeitosos e participam de atividades que o grupo desenvolve.
— Somos bem aceitos, eles participam com a gente. Acredito que isso [o vandalismo] não é da comunidade. É alguém de má fé — afirma.
Investigação
Nesta quinta-feira, a Polícia Civil emitiu uma nota sobre a investigação. O caso está sendo apurado pela 2ª Delegacia da Capital. De acordo com a polícia, o vídeo da mulher depredando a estátua será usado para tentar identificá-la. Os investigadores também vão analisar imagens do sistema de monitoramento Bem-Te-Vi.
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O Instituto Geral de Perícias (IGP) também foi acionado para tentar encontrar pistas que possam levar à mulher que danificou a imagem. Até a noite desta quinta-feira, nenhuma suspeita foi localizada pelos policiais.