Em entrevista à emissora estatal de televisão do governo federal, a NBR, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, afirmou que pretende dobrar o limite de pontos da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Atualmente, os motoristas que acumularem infrações que cheguem a 20 pontos podem ter o direito de dirigir suspenso — a pontuação limite passaria para 40.

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Para a especialista em direito, planejamento e gestão no trânsito, Márcia Pontes, a proposta é "lamentável e caminha na contramão de todas as ações voltadas à segurança no trânsito".

— As pessoas vão achar que podem infringir o dobro, cometer o dobro de infrações. Acidente é a infração que deu errado. Quando dá certo, o motorista sai cantando de galo, mas quando não dá, resulta em acidentes e em mortes — afirma.

Márcia diz que a proposta irá resultar em impunidade e na "naturalização do comportamento" imprudente nas rodovias. Ela lembra do caso do motorista do Jaguar que se envolveu em um acidente enquanto dirigia embriagado na BR-470, em Gaspar — a colisão matou duas jovens, Amanda Grabner Zimmermann, 18 anos, e Suelen Hedler da Silveira, 21, e deixou outra mulher, Maria Eduarda Kraemer, 25, gravemente ferida.

— Ele [o motorista] tinha a pontuação estourada, já tinha atingido os 20 pontos, então não era nem para estar dirigindo. Se hoje o Detran tem cinco anos para abrir o processo de suspensão, se passar para 40 pontos será ainda mais demorado tirar a carteira desses motoristas imprudentes, colocando em risco muito mais vidas — diz.

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Em Santa Catarina, entre abril de 2018 e abril de 2019, as duas infrações mais cometidas no Estado foram relacionadas ao excesso de velocidade: transitar em até 20% superior a permitida e entre 20% e 50%.

Em seguida, vem a falta do uso de cinto de segurança pelo condutor, a multa por não identificação do infrator — imposta à pessoa jurídica — e, em quinto lugar, estacionar em desacordo com a regulamentação, no que diz respeito ao estacionamento rotativo. Os dados são do Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina (Detran-SC).

Propostas para o trânsito contribuem para impunidade

Pelo menos outras duas propostas anunciadas recentemente pelo Governo Federal do presidente Jair Bolsonaro são opostas à ideia de promover mais segurança às rodovias conforme destaca a especialista em trânsito Márcia Pontes.

— Quando medidas assim vem do chefe máximo da nação, é muito preocupante, porque mostra que não tem qualquer compromisso com o trânsito seguro. São medidas que em nada contribuem, efetivamente, para a segurança das pessoas no trânsito. É licença para matar —, ressalta.

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Além da proposta de ampliar a pontuação máxima da CNH, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, também mencionou que o projeto de lei deve incluir o aumento do prazo de renovação da CNH. Atualmente, a cada cinco anos os condutores precisam renovar a habilitação. A proposta do ministro é de que esse prazo seja estendido para 10 anos.

Para Pontes, na prática a medida não terá efeito algum, pois, segundo ela, o exame de renovação aplicado hoje é ineficiente.

— É baseado no que a pessoa fala somente. Se for alguém que mente sobre usar algum remédio controlado ou algo do tipo, não vai mudar nada. Hoje não garante que as pessoas vão dirigir com mais segurança.

No início de março, uma frase dita por Jair Bolsonaro em sua página no Facebook também gerou discussão relacionada ao trânsito nas rodovias do país. Na ocasião, Bolsonaro classificou as lombadas eletrônicas como "fonte de lucro" das empresas e afirmou que "quando for perdendo sua validade, [as lombadas] não serão renovadas".

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De acordo com a especialista, essa medida também representa perigo à segurança no trânsito, sobretudo no Brasil, que mantém índices altíssimos de morte e de pessoas sequeladas em acidentes.

— Os radares são necessários, todos eles. É preciso ter estudo técnico assinado por engenheiro de tráfego que justifique essas lombadas eletrônicas nos lugares certos. Onde tem lombada o motorista diminui, onde não tem, ele se mata ou mata alguém — afirma.

Apesar dos redutores de velocidade não sere medidas de caráter educativo, a especialista afirma que eles são responsáveis por condicionar comportamentos que deixam o trânsito mais seguro para todos.

— As pessoas são muito dependentes do veículo, então medidas como a lombada eletrônica, por exemplo, acaba forçando as pessoas a dirigirem com mais responsabilidade — finaliza.

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Detran ainda não tem posicionamento

Em entrevista à reportagem, a diretora do Detran de Santa Catarina, Sandra Mara Pereira, informou que ainda não tem um posicionamento definitivo sobre a questão. Ela diz que precisa conhecer melhor a proposta do governo Bolsonaro, antes de emitir um parecer a respeito.

Ainda de acordo com Pereira, a associação nacional dos diretores de Detrans está pedindo mais informações ao governo federal, para entender se a medida pode ou não beneficiar os cidadãos.

Entenda a mudança

Para o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, a maioria das infrações cometidas são “infrações bestas”, que, no final das contas são apenas “burocracia” que alteração visa eliminar segundo ele.

— As pessoas acabam atingindo os 20 pontos com certa facilidade — afirmou na entrevista.

Apesar de não especificar quais infrações ele considera “besta”, quando questionado sobre excesso de velocidade o ministro respondeu que é algo que depende do caso.

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— Se você tem lá a via a 70 km/h e você passa a 80 km/h, isso é grave? Isso às vezes é distração, então isso pra mim é leve e pode ficar na faixa dos 40 (pontos) sem problema nenhum.

Hoje, as infrações de trânsito consideradas gravíssimas, como dirigir alcoolizado, são as que resultam em mais perdas, com sete pontos. Em seguida, vem as graves, como deixar de prestar socorro a uma vítima de acidente de trânsito, que gera perda de cinco pontos na carteira. As médias, que resultam em quatro pontos, e as leves, com três.

Um projeto de lei com a proposta deve ser enviado ao Palácio do Planalto na segunda quinzena do mês de abril de acordo com o ministro e, posteriormente, encaminhado ao Congresso Nacional.

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