Até quarta-feira, o Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC) sedia um simpósio sobre crise de representatividade nas relações políticas no Brasil. O propósito é debater as causas e efeitos das manifestações que tomaram as ruas do país neste ano, além de discutir problemas como corrupção e falta de transparência. Nesta terça-feira será a vez do filósofo Luiz Felipe Pondé abrir a programação com uma reflexão intitulada “O Estado no cenário da crise de representatividade”.

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Pondé, que é doutor pela USP e também colunista do jornal Folha de S. Paulo, é conhecido por sua postura liberal e pelas críticas que dirige ao pensamento da esquerda marxista e ao PT. Em conversa ao DC, o filósofo defende que a sociedade brasileira deveria esperar menos do Estado e abandonar a postura “clientelista” que mantém com relação aos políticos. De seu ponto de vista, tanto a elite quanto as camadas mais pobres esperam que os políticos resolvam seus problemas.

Diário Catarinense – Em visita recente a Florianópolis, o vice-presidente, Michel Temer, questionado sobre se existia uma crise de representatividade na política brasileira, disse que o parlamentar não é eleito por uma centelha divina e que o Congresso representa muito bem a sociedade brasileira. Há ou não uma crise de representatividade?

Luiz Felipe Pondé – A população brasileira sempre foi desinteressada pelo comportamento ético do político e mais interessada nos serviços que o Estado tem a oferecer. A elite espera que o Estado dê a ela financiamento e privilégios, por exemplo, via BNDES. O povo quer que suas contas sejam pagas pelo Estado com bolsa família e similares. Ou seja, tem uma relação de clientelismo. Como bem disse o vice-presidente, o parlamento não cai do céu, é uma escolha da população. Essa escolha é movida por interesses privados, interesses locais ou por proximidade afetiva. Do topo da pirâmide até a base, há um mesmo tipo de comportamento que é o desinteresse com a ética política. Existe uma crise de representatividade latente quando as classes que estão na parte baixa da pirâmide reclamam de transporte, escolas e hospitais ruins, o que resultou nos movimentos de junho. Mas estes movimentos tiveram estopim quando jornalistas e a classe média alta se viram agredidas pelos policiais. Muitas pessoas se mobilizaram quando viram isso.

DC – Mas além desse clientelismo por parte da população, o Estado também não teria responsabilidade em reverter esse quadro?

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Pondé – Eticamente o Estado é responsável, claro. Mas quando a sociedade vai bem economicamente, ninguém pensa muito no Estado. Os EUA saíram da crise mais pelo modo como a economia deles se comporta do que pelas pessoas que estão no poder. Não esperar muito do Estado é uma coisa saudável. O problema é que o brasileiro não espera do Estado que ele não roube, que não seja corrupto. E espera sim por aquilo que não devia esperar: que os políticos resolvam a vida dele. O Estado brasileiro, eticamente, deveria querer romper com isso, mas na prática não quer. Ele deveria combater a corrupção e o aumento de impostos. Quanto mais imposto, mais dinheiro e mais corrupção.

DC – De quem deveria ser a iniciativa para mudar isso: dos cidadãos ou dos políticos?

Pondé – Numa metáfora o Estado seria o palácio e a população a praça pública. Se o palácio fica indiferente à praça pública, uma hora a corda estoura. A gente está vivendo ainda um momento em que a maior parte da população continua acreditando em políticas populistas. Essa crise de representação, entendida como “o Estado não está me representando”, ela não fica caracterizada como crise se o Estado serve aos grandes empresários via BNDES, aos pobres via bolsa família, fazendo estádio de futebol em cidade pequena, jogando um pouco de comida aos pobres. Nisso a pessoa não sente crise de representação.

DC – E como ficam as ideologias nesse cenário? Os espectros da esquerda e da direita alteram o funcionamento do Estado e sua relação com a sociedade?

Pondé – Não acho que o Estado funciona bem por causa de sua ideologia. Acho que o grosso da população não está preocupada e nem sabe direito o que é esquerda e direita. A população sofre quando matam um filho durante um assalto, matam um marido, uma mãe, quando morre alguém na fila do hospital. É justamente nisso que o populismo superficial pode pegar. Se você faz políticas sobre isso, a população tem a impressão que o governo está pensando em você. A esquerda leva vantagem nisso por se associar a imagem de luta contra a ditadura, o que é uma mentira. A direita, por sua vez, é composta por partidos fisiológicos. Nunca existiu no Brasil um partido que pregasse a sociedade de mercado, poucos impostos, liberdade pro indivíduo resolver os problemas deles.

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DC – Estes problemas não são produtos da forma como o sistema democrático, com suas regras e leis, funciona?

Pondé – Não existe democracia perfeita. Não acho que a democracia brasileira é ruim em sua estrutura. Ela está razoavelmente estabelecida. Acho ruim toda hora quererem mexer, fazer reforma e reforma. Na democracia os processos são glaciais em termos de tempo: o tempo para algo funcionar, pra entendermos como tudo funciona. Quanto mais a democracia embaralha os conflitos entre Legislativo, Judiciário e Executivos municipais, estaduais e federal, maior chance dela institucionalizar conflito que é a base da democracia moderna. O único ponto que acredito precisar de uma reforma pontual é diminuir a reeleição. Por exemplo, limitar o legislativo a dois mandatos e impedir que ex-presidentes de se reelegerem.

DC – Hoje, alguns setores veem a democracia como um empecilho. Olham para China e constatam que lá o avanço econômico é maior, embora seja uma ditadura. Outros enxergam na democracia uma ditadura da maioria e outra parte defende que é o único modelo que garante a liberdade. Quem tem razão?

Pondé – Não temos condições de avaliar o modelo chinês com o modelo americano. Se a China continuar crescendo, ela vai provar que pode fazer isso sem liberdade política. Em tese é possível isso. Mas um problema que surge é: na medida que as pessoas vão enriquecendo pode acontecer um movimento natural por mais liberdade política. Aí não se trata de saber se é possível enriquecer sem liberdade política, mas que o enriquecimento pode produzir uma demanda por liberdade política.

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