Com a camiseta do Outubro Rosa, campanha de prevenção de câncer de mama liderada pela Rede Feminina de Combate ao Câncer de São Francisco do Sul, o prefeito Luiz Roberto de Oliveira (Zera) conversou com a reportagem de “A Notícia” sobre os três dias de crise provocados pela fumaça tóxica, o pânico que tomou conta da cidade em alguns momentos, a investigação e as medidas que devem ser tomadas a partir do episódio. Confira a entrevista:

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A Notícia – Como foi o momento em que o senhor soube do problema?

Luiz Zera – Estava em casa, me preparando para ver o noticiário, perto das 22 horas de terça, quando recebi a ligação de uma munícipe, informando que estava deixando a casa por conta própria porque havia um incêndio na Global Logística, com fumaça de proporções incalculáveis. Ela disse que gostaria que eu tomasse providências. Imediatamente, liguei para a Defesa Civil, que já estava sabendo, pedi que levasse o Corpo de Bombeiros Voluntários. Pedi que me retornassem.

AN – O senhor já tinha ideia do tamanho do problema?

Zera – Não. Nenhuma. Pedi uma avaliação e me retornaram uns 40 minutos depois, dizendo: ?Prefeito, a situação é muito grave. Temos uma fumaça extremamente densa e baixa, escura, preta. Não dá nem para passar de carro. Não temos condições de mensurar o nível de gravidade?. Então, eu pedi para que todas as casas, num perímetro de dois quilômetros fossem evacuadas, com a nossa ajuda. Ativamos a Marinha e, nesse momento, já estavam vindo bombeiros de outros municípios. E foi se formando um corpo técnico, sem saber muito bem a causa, mas para ver como trabalhar.

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AN – Quando vocês tiveram ideia do tamanho do problema. Não demorou muito para a Prefeitura agir?

Zera – No dia seguinte, quando amanheceu, eu sobrevoei com o helicóptero Águia, da PM, às 7h30. Vi que a fumaça tinha tomado uma proporção enorme. Ela já estava indo em direção ao morro do Forte, pegando a Ilha da Paz. Então, o Exército se ofereceu e veio nos ajudar. Foi quando tivemos a dimensão. Criamos um centro de atendimento aos que deixaram suas casa. Em nenhum momento fomos apáticos. Isso não impediu que tomássemos a posição da razão, e não da emoção. Eu sou ser humano. Não vou dizer que meu lado emocional não ficou abalado. Mas, nesses dias, precisava ter a razão. E não terminou. Temos uma situação de segurança no local, retirada do material, retirada da água que está contaminada. Não posso precisar quando os técnicos vão concluir, nem posso apressá-los. Quando concluírem, o que couber à Prefeitura, ações serão tomadas. Já soubemos que havia cerca de 70 pessoas que tinham buscado ajuda no hospital, mas não era grave. Atendimento no sentido, um pouco emocional, com problemas respiratórios, ardência nos olhos. Mas foram todos atendidos e liberados.

AN – E a comunicação? Houve algum equívoco?

Zera – Falei na rádio local pela manhã, passei para a população um sentimento de calma porque estávamos trabalhando no controle do sinistro. E procurei o operador portuário e o dono da carga para que me mandasse a declaração de importação para que a gente e a Defesa Civil soubéssemos com o que estávamos trabalhando. Ali tinha todos os dados, a gravidade para o ser humano. Veio uma tradução juramentada formal.

AN – O trabalho surtiu resultado?

Zera – Fizemos vários testes. Com água salgada não deu. Com espuma não deu. Mas o rescaldo era necessário para que o produto não atingisse certo nível de ebulição perigoso. O rescaldo tinha que ser constante e a nossa preocupação foi não deixar faltar água. Orientamos a criação e uma linha viva de água, para que o abastecimento fosse contínuo.

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AN – Houve alguma comunicação errada, que provocou uma debandada?

Zera – Houve, sim, informações desencontradas. Alguns radialistas de Joinville, que podem ser ouvidos aqui, mandaram evacuar a cidade. Não houve óbitos, feridos. Mas essa informação gerou pânico. O que eu lamento muito. Como incitar uma debandada geral? Se isso fosse necessário, nós faríamos, mas com organização. Isso gerou um princípio de caos desnecessário.

AN – O senhor estava seguro de as medidas eram suficientes?

Zera – Três horas depois, ainda no primeiro dia, recebi a notícia do grupo de que esse perímetro, de 800 metros, era suficiente.

AN – Qual o papel dos técnicos da Vale na contenção da fumaça?

Zera – Nos ajudou bastante a vinda dos técnicos. Quero agradecer muito à Vale. Eles produzem esse produto. E a vinda deles. Com a chegada dos dos primeiros técnicos, fizemos um novo sobrevoo. Eles avaliaram e nos deram uma nova orientação e um novo Norte a seguir, que deveríamos fazer mais aberturas no teto e saímos à procura da câmera termostática. Ela começou a nos dar, daí em diante, uma posição dos focos. Combater o todo é uma coisa. Combater o núcleo, dá mais chances de eliminar. Achamos os vários núcleos. O equipamento nada mais era do que um braço de ferro, com uma mangueira, que entrava lá dentro e jogava água direto no núcleo. E, com isso, eliminamos os focos e os resfriamento.

AN – O momento de maior tensão foi na quinta-feira à noite, quando houve novas retiradas, inclusive do hospital?

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Zera – Aquele momento foi muito difícil pra mim. Tive que sair daqui, mudei o posto de comando para a secretaria de Saúde, perto do Hospital, mas às 19 horas chegou lá também. A nuvem ficou em cima da cidade e espalhou. A evacuação do hospital foi um momento crucial. As pessoas precisavam de cuidados especiais e tinha que fazer rápido isso. Mas como já haviam questionado antes, eu disse pra prepararem essa hipótese. E isso agilizou a resposta.

AN – A Prefeitura tinha condições de prolongar essa crise por mais tempo?

Zera – Tinha fé de que a gente iria resolver o problema e debelar a situação. Mas não tinha a noção de quando. Na quinta-feira, mudei pela terceira vez o posto de comando e parti para a subprefeitura da Enseada, às 9 horas da noite. Foi lá que ouvi a notícia de que o combate estava dando certo.

AN – O senhor chegou a retirar sua família da cidade? Sentiu algum efeito.

Zera – Minha família, como muitas outras de São Francisco do Sul, entendeu que havia um momento que não dava mais para ficar. E eu também achei melhor que eles saíssem e se hospedassem fora. O meu sentimento era o mesmo que todos passavam. Quando a fumaça chegou onde eu moro, eles saíram. Mas, como prefeito, permaneci aqui. Durante os três dias da crise não saí daqui. E no fim de semana, também. Estive lá perto da fumaça e não senti nada. Talvez o problema cause mais transtornos para quem já tem antecedentes respiratórios, pulmonares. Um ser humano é diferente do outro. Acho que foi o caso bombeiro que ficou ferido. Eu estive muito próximo e não tive reação nenhuma.

AN – Qual o aprendizado que o prefeito e o próprio serviço público de São Francisco tira desse episódio?

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Zera – Para o prefeito, manter a calma foi fundamental. Posso, em certos momentos, ter sentido medo, mas não podia ter aflição. Isso ia me fazer perder a calma. Segundo, a união no momento de crise. Foi uma das situações mais importantes para nos levar ao controle. Houve muita união de todos os órgãos envolvidos. Tenho de agradecer a todos e estou escrevendo a cada um. Só se resolve um problema, se ele for encarado de frente. A única situação que não tem solução é quando Deus decide nos chamar. Tive muita fé.

AN – Do ponto de vista operacional, quais as lições?

Zera – A maior que fica é rever toda a parte de regulamentação, convocando os órgãos envolvidos, inclusive a administração do Porto. Não com o intuito negativo de paralisar as atividades, as operações. A economia brasileira vive disso. O porto de São Francisco do Sul vive disso. É um material necessário para a nossa agricultura, um dos pilares da economia.

AN – Mas rever o quê, exatamente?

Zera – É preciso rever toda essa regulamentação e criar novos parâmetros de segurança e de manipulação e controle desse tipo de carga.

AN – E por que não pensaram nisso antes?

Zera – Porque essa situação foi inusitada. Os procedimentos que nós tínhamos antes, achávamos que eram suficientes. Depois que a perícia nos disser, tecnicamente, o que causou essa situação, de onde veio o ponto de ebulição dessa reação química, a gente vai poder, em cima disso, também tomar novas atitudes. Mas que foi uma situação nova no Estado e no País, foi. O que também me deixa muito feliz é que, na história desse tipo de acidente no país, demos uma resposta muito rápida, sem mortes. Quanto vale uma vida? Não tem mensuração. É ou não é? Tivemos 57 horas de uma reação química que era desconhecida. E a nossa ação tem de valer de exemplo para o País. Eu acho que o País, o Estado têm de rever essas regras. Não é só São Francisco do Sul.

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AN – Quem são os responsáveis pelo que houve?

Zera – Os desastres eles não acontecem porque alguém quer. Procurar culpados nesse momento é muito insipiente. É precipitado, prematuro. Temos é que procurar descobrir o que causou e evitar que aconteça novamente.

AN – Há vários órgãos federais e estaduais avaliando a situação. Qual a responsabilidade da Prefeitura?

Zera – Vejo essa situação como positiva, com o envolvimento de todos os órgãos federais e estaduais. Houve uma demonstração de cuidado, de querer saber o que aconteceu, em nível estadual e federal. É dever do prefeito, dos secretários e de todos os órgãos rever a situação. Não é o prefeito, sozinho, que vai rever. A partir do resultado que cada órgão desse apresentar tecnicamente, vamos poder criar uma nova formatação de ações a serem seguidas de manipulação desse tipo de mercadoria no País, já que órgãos federais, a mando da presidente Dilma estão aqui.

AN – A Prefeitura sabe o que há nesses depósitos, o que está circulando na cidade?

Zera – Esse é um dos pontos que a gente vai rever. Quando a gente fala em fertilizantes, uma das cargas, é muito generalizado. Houve um problema com um determinado tipo. Mas, dependendo da área onde vai ser usado, a concentração e os componentes são diferentes. Talvez exista necessidade de uma aproximação maior da Prefeitura e da administração do Porto para que a gente saiba o que está se trazendo para a cidade.

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AN – Hoje não se sabe exatamente?

Zera – O processo começa pelo Ministério da Agricultura. É fundamental que passe a ter maior integração, para que a gente saiba o que cada navio está descarregando e, dentro das regras, se fique tranquilo quanto ao manejo e onde será depositado, para que fique de acordo com o que é necessário para a segurança.

AN – Como prefeito, o senhor teme ser o último a saber o que há nesses locais?

Zera – Não iria ficar surpreso se houvesse outras cargas assim na cidade. Não vou me surpreender se em outros depósitos houver mais cloretos, mais potássio, fosfato, nitrato, cloreto, fósforo, enfim… É muito difícil. A gente tem de chegar a um denominador para ver como a gente vai controlar isso. Queremos apenas criar um melhor controle. Espero nunca mais viver uma situação assim. O que agente viveu nesses três dias foi tensão contínua.

AN – O acidente arranha o turismo da cidade?

Zera – Nossa autoestima baixa um pouco. Mas vamos focar nas coisas boas que temos. É uma história maravilhosa, uma cultura, um Centro Histórico, lindas praias, o verão chegando. A comissão que vai gerenciar as ações do verão vai se reunir já, para organizar tudo. Estamos esperando muitos turistas. Debelada a crise, continua a apuração dos fatos, mas a cidade não para. Temos que seguir com os nossos compromissos. É dever do prefeito, também, fazer a cidade voltar à normalidade. Nossa água potável, desde sábado, está sendo monitorada e analisada de hora em hora. As praias estão 100% seguras. Temos um controle de normalidade, com exceção do local do acidente.