Por Mário Pereira *
“Scarlet O´Hara não era bela; os homens, porém, só a notavam quando já subjugados por seu encanto, como era o caso dos gêmeos Tarleton.” É com esta sentença sobre aquela que seria uma das mais fascinantes figuras femininas criadas pela vigorosa literatura norte-americana que Margaret Mitchell (1900-1949) começa o romance …E o Vento Levou, que tem como pano de fundo a Guerra da Secessão (1861-1865) nos Estados Unidos.
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Filha de um advogado _ Eugene Muse Mitchell _, que foi diretor da Sociedade Histórica de Atlanta (Geórgia), Margaret, desde menina, se acostumou a ouvir e registrar relatos sobre a guerra civil que dividiu seu país e o mergulhou num banho de sangue, opondo o norte e o sul. Mais tarde, já casada, conseguiu emprego como repórter no The Atlanta Journal Sunday Magazine, do qual teve que se desligar, alguns anos depois, por problemas de saúde.
Durante a convalescença, ela começou a dar forma à narrativa que a tornaria famosa e rica. Os direitos autorais foram comprados pela editora Macmillan em 1935. Lançado em junho de 1936, em outubro o caudaloso romance já tinha vendido mais de 1 milhão de exemplares nos Estados Unidos. Agraciado com o Prêmio Pulitzer _ a mais alta distinção literária e jornalística do país _ em 1937 _ passou a ter sucessivas reedições e até hoje vende aos borbotões.
O produtor David O. Selznick, na época o maior cacique da era dos grandes estúdios de Hollywood, comprou os direitos de filmagem. A estreia mundial do filme aconteceu em Atlanta em 1939, quando na Europa já troavam os canhões da Segunda Guerra. Nos anos 40 e 50, …E o Vento Levou, no embalo do filme, foi traduzido para 51 línguas, editado em 129 países e já vendeu cerca de 50 milhões de exemplares até hoje.
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A primeira edição brasileira, que data do início dos anos 1940, foi lançada pela Editora Irmãos Pongeti, do Rio de Janeiro. Herdado da biblioteca familiar _ orgulho-me de ter nascido em uma casa cheia de livros e na qual a leitura era estimulada desde cedo _, conservo um desses raros exemplares como um tesouro em minhas prateleiras.
Neste “ano da graça” de 2014, a indústria cinematográfica comemora o 75º aniversário da estreia do filme, um clássico do cinema em todos os tempos. Um filme que marcou um novo tempo e um novo caminho para a arte das “imagens em movimento”.
Stephen Jay Schneider, um especialista no riscado, em 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer (Editora Sextante, Rio de Janeiro, 2008), afirma que …E o Vento Levou foi concebido, desde o começo, para ser o maior de todos os filmes de Hollywood. A formação do elenco passou pela peneira atenta da Selznick e foi antecedida por uma verdadeira “briga de foice” entre as divas americanas pelo papel de Scarlet. Mas o produtor já tinha feito a escolha: o cobiçado papel foi entregue à atriz britânica Vivien Leigh, que lhe deu brilho incomum e apaixonou o mundo.
Para tocar o filme, Selznick contratou nada menos que três diretores: Sam Wood, George Cuckor e Victor Fleming, este último perito em filmar cenas de ação e responsável pelo antológico zoom, que mergulha do alto na cena em que Scarlet cuida de soldados confederados feridos no hospital de Atlanta.
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Clark Gable (Rhett Butler), Leslie Howard ( Ashley Wilkes) e Olívia de Havilland (a suave Melanie) formaram a linha de frente do elenco. …E o Vento é também a história da paixão de Scarlet pela terra ancestral de sua família, a imensa fazenda de algodão, denominada de Tara, ameaçada por especuladores e vigaristas, enquanto as velhas tradições do sul rural desabavam durante o conflito.
Mesmo após o casamento de Ashley com Melanie, Scarlet ainda sonhava com ele. Mas, para garantir a propriedade da amada Tara, ela casa com Rhett, um aventureiro que fizera fortuna em atividades nebulosas. O casamento se desmancha quando Rhett , com ciúme de Ashley, decide ir embora. Scarlet tenta detê-lo e garante que o ama. “Francamente, minha querida, estou me lixando para isso”, diz ele, encaminhando-se para a porta da mansão com que a presenteara em Atlanta. Só então, ela se dá conta ser aquele o homem de sua vida.
Guerreira e disposta a dar a última palavra, ela diz a si mesma: “Amanhã, em Tara, hei de pensar em tudo isso. Então, terei mais forças. Amanhã, pensarei no meio de trazê-lo de volta. E, demais, amanhã já é outro dia”.
Isto é puro Scarlet, puro …E o Vento Levou. E lá se foram 75 anos… Fica o indispensável registro.
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* É jornalista, escritor e vice-presidente da Academia Catarinense de Letras