É Natal? N ão gosto do Natal. Não chego a odiar, mas não gosto. Nunca gostei. Foi assim que o escritor Mário Prata reagiu ao convite do Donna. Convencido de que a revista tem espaço para múltiplas ideias, aceitou nos mandar um texto. Para quem diz não gostar de Natal, ele demonstra entender muito sobre o tema, ou seria a característica de um bom observador?
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Desde pequeno, no interior, Papai Noel sempre me assustou. Gostava de preparar a árvore com dias de antecedência, apesar de não concordar em colocar algodão para “simbolizar” a neve. Gostava de imaginar os presentes. Não gosto nem de dar e nem de receber presentes em datas certas. O presente é bom quando você não espera.
No aniversário, Natal, Dia da Criança, depois Dia dos Pais, acho um saco de Papai Noel. O presente, conforme a palavra em si se explica, é uma presença. Portanto, não pode ser datada. Não deve ser uma obrigatoriedade.
Além de não gostar de Natal, em alguns aspectos, ele chega a ser irritante. Senão, vejamos:
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– Quer coisa mais irritante, durante o mês de dezembro, do que ir a um barzinho ou restaurante, à noite, para tomar um chopinho e ter ao seu lado, aos gritos, berros e urros, uma “festinha da firma”, com risos histéricos, discursos profundos e etílicos do “chefe”, gozações com a “gostosa” da firma e a indefectível troca de “amigos secretos”?
Por que gritam tanto nas “festinhas da firma”? E quando você vai ao banheiro, sempre tem um ou dois funcionários burocraticamente vomitando. Como se vomita no Natal!
– E o “amigo-secreto” então? Já notaram que sempre sai para quem não é nem muito amigo e muito menos muito secreto? E você passa o mês inteiro tendo que imaginar o que vai dar para aquele chato. Se o “amigo secreto” já é uma relação constrangedora na firma, em família, então, nem se fala. Em primeiro lugar, porque dois ou três dias depois do “sorteio”, todo mundo já sabe quem é o amigo de quem. Você já sabe pra quem vai dar e de quem vai receber. Essas informações sempre vazam no seio familiar. Sempre tem uma irmã que sabe de todos, ninguém sabe como. E você, que torceu para não sair aquela prima fofoqueira, pois é justamente com ela que você vai se abraçar logo mais, e dizer todas aquelas frases. Todas são insubstituíveis.
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– E as propagandas de Natal? Existe coisa mais horrível que esse bando de gordos com brancas barbas, puxados por veadinhos? A publicidade brasileira é uma das melhores do mundo, perdendo talvez apenas para a inglesa. Mas chega o Natal, baixa o “espírito natalino” nos criadores das agências e dá no que dá. Eles não conseguem (há 2000 anos) fazer um único anúncio sequer decente nessa época. São constrangedores, amadores, dignos de um Papai Noel de mentirinha. Tem uns, mais “criativos”, que até neve têm, debaixo dos 40 graus de dezembro.
– E aqueles Papais Noéis que vão de casa em casa e os pais obrigam as criancinhas a dar beijo naquele sujeito imenso, barba descolada, sapatão de militar, já meio bêbado depois de passar em várias casas de amigos e parentes? As criancinhas esperneiam, não dormem semanas seguidas, sonhando com aquele monstro que o pai fez beijar. Meu Deus, é um outro pai que eu tenho? Devem pensar os pequenininhos da família. E o monstro ainda diz “coisas” para os indefesos, presos nos braços do pai ou da mãe, quiçá da avó: esse ano não vai fazer malcriação, vai comer toda a papinha, não vai mentir nem fazer xixi na cama, viu Rony? Coitados.
– Mas o pior mesmo é a ceia, propriamente dita. Com o passar dos anos, a família vai crescendo e, de repente, são quatro gerações que estão ali, de olho no peru. Umas cinquenta pessoas. E ali dá de tudo. Cunhados que não se falam, a velhinha que não escuta os planos do asilo, o fulano que está falido, coitado; a prima que está dando para um sobrinho, aquele casal que está separado, mas que no Natal baixa o “espírito” e comparecem juntos. Todo mundo sabe que se odeiam. Mas é Natal. E a irmã que não pagou a trombada que ela deu com o carro do tio-avô? Tudo é permitido, afinal é Natal. Nasceu quem mesmo? Jesus, não foi? E, por isso à meia-noite, todos dão as mãos e rezam (des)unidos.
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– E existe música mais chata que Jingle Bell?
Talvez eu esteja muito rabugento falando do Natal. Mas para encerrar, conto uma história verdadeira.
O fato se deu na casa do neto de um amigo (céus, meus amigos já têm netos). Garoto de cinco anos. Diz o jovem avô coruja (tem 50, antigamente avô tinha pra mais de 70, não era não?). Bem, diz o avô que o menino, desde o primeiro Natal, ainda no colo, ficava deslumbrado com a árvore que todo ano aparecia na sala. Com quatro e cinco, já ajudava a colocar os badulaques todos.
Pois foi em janeiro que o Joaquim (nome do neto e não do avô) – mais precisamente no dia 6 – reclamou, com aquela autoridade de cinco anos já completos:
– Mas vai desmanchar a árvore de novo? (e quase chorando) Por que que todo ano tem que desmanchar a árvore? Por quê?
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Era hora do café da manhã, todo mundo reunido, pai, mãe, irmãos mais velhos, senhores de 10 e 14 anos. Todos se entreolharam.
– É uma tradição, meu filho.
– Tradição? Perguntou o Joaquim, que não tinha a mínima ideia do que fosse uma tradição.
– Tradição.
Não sabia o que era aquela palavra esquisita, mas devia ser coisa muito séria, porque a tal da tradição obrigava todas as casas da rua e da cidade a desarrumarem a árvore de Natal no dia 6 de janeiro.
– Dia dos Reis! Acrescentou a mãe.
Joaquim se calou, mas aprendeu que rei e tradição deveriam ter alguma coisa em comum. De rei, ele só conhecia os reis magos, ou magros, como ele dizia.
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Se é coisa de dia de rei, então os reis magros ficaram no presépio.
O pai encarou:
– E posso saber por quê?
E o garoto não pestanejou:
– Tradição.
E a árvore não foi desmontada. E o presépio está lá até hoje. Tá certo que foi incrementado com umas motos, uma perna de Barbie, um Homem Aranha e uma nota de um dólar que ninguém sabe de onde saiu. Fora um relógio de plástico cor de rosa.
E a árvore de Natal, lá em cima, no lugar da tradicional estrela cometa, uma bandeira do Brasil escrito com a letra dele, em forma: R-O-N-A-L-D-O.