*Por Heather Murphy

Um extrato de uma planta apresentado esta semana como uma “cura” para a Covid-19 pelo presidente de uma empresa de travesseiros não foi testado e é potencialmente perigoso, dizem os cientistas.

Continua depois da publicidade

Mike Lindell, presidente-executivo da My Pillow e um grande doador para a campanha do presidente Donald Trump, declarou ao site de notícias Axios que o presidente ficou entusiasmado com a substância, chamada de oleandrina, quando ficou sabendo dela em uma reunião na Casa Branca, no mês passado.

“Ela funciona – é o maior milagre de todos”, comentou Lindell, que tem uma participação financeira na empresa que produz o composto e faz parte do seu conselho administrativo, em uma entrevista para Anderson Cooper, da CNN, na semana passada. Quando a CBS perguntou a Trump sobre a oleandrina como uma cura para a Covid-19, ele afirmou: “Vamos dar uma olhada.”

As afirmações infundadas alarmaram cientistas. Nenhum estudo demonstrou que a oleandrina é segura ou eficaz como tratamento para o coronavírus. Não se sabe que dose deve ser ministrada no suposto tratamento, mas especialistas garantem que a ingestão de uma quantidade ínfima do arbusto tóxico, de onde vem o composto, pode ser letal.

Continua depois da publicidade

“Não mexa com essa planta”, recomendou Cassandra Leah Quave, uma etnobotânica médica da Universidade Emory.

A oleandrina é derivada do Nerium oleander, um lindo arbusto floral da região do Mar Mediterrâneo, popular entre os paisagistas e responsável por muitos casos de envenenamento acidental. A oleandrina é o produto químico que torna a planta mortal, escreveu Quave em um artigo na “The Conversation”.

Ela e outros médicos e cientistas informaram que a ingestão de qualquer parte da planta – ou mesmo de um caracol que mastigou algumas de suas folhas – pode alterar os batimentos cardíacos e matar humanos e animais.

Então, por que alguém pensaria que a oleandrina poderia ser um tratamento para a Covid?

Não é incomum que as plantas – mesmo as venenosas – gerem interesse como tratamento para doenças. Robert Harrod, professor da Universidade Metodista Meridional, estudou o potencial da oleandrina para combater, por exemplo, um tipo de leucemia. Embora Harrod tenha dito que o uso da oleandrina para tratar o coronavírus não seja mais do que “uma ideia intrigante”, ele está torcendo para que funcione.

Continua depois da publicidade

O Instituto de Pesquisa Médica de Doenças Infecciosas do Exército dos EUA conduziu um teste de laboratório em maio para determinar se a oleandrina poderia interromper a infecção por coronavírus na célula. O resultado foi “inconclusivo” e a agência optou por descontinuar essa linha de pesquisa, de acordo com Lori Salvatore, porta-voz do Comando de Desenvolvimento e Pesquisa Médica do Exército.

Outro estudo celular, que ainda não foi publicado em um jornal científico, envolveu dois funcionários da Phoenix Biotechnology, uma empresa com sede em San Antonio na qual Lindell tem uma participação. De acordo com seu site, a empresa passou os últimos 20 anos explorando os benefícios da oleandrina para a saúde.

O estudo descobriu que a oleandrina consegue bloquear o coronavírus em células de macaco em um tubo de ensaio. Mas esses experimentos in vitro não nos dizem muito, segundo os cientistas, um dos quais conduziu o estudo.

“O teste de antivirais em células é apenas o primeiro passo, e os resultados promissores devem ser acompanhados de testes em animais. Há muitos medicamentos como esse que parecem promissores no teste in vitro inicial, mas que não mostram um resultado positivo em seguida por uma série de razões”, informou Scott Weaver, virologista da University of Texas Medical Branch, em Galveston, e um dos autores do estudo, em um comunicado.

Continua depois da publicidade

Esse estudo celular também levanta questões sobre a segurança da substância, disse a dra. Melissa Halliday Gittinger, toxicologista do Centro de Informação sobre Veneno da Geórgia e professora da Escola de Medicina da Universidade Emory. Uma dose da oleandrina de 0,02 micrograma por mililitro pode ser fatal. O artigo não oferece uma dose sugerida para pessoas, mas alguns dos testes de laboratório em células envolveram concentrações substancialmente mais altas.

Em sua entrevista com Cooper na CNN, Lindell afirmou repetidamente que a oleandrina se mostrou segura em um estudo com mil pessoas. Mas essa informação é enganosa: nenhum estudo conhecido examinando a segurança da oleandrina como tratamento para o coronavírus ou algo parecido foi conduzido em um grupo tão grande.

Pressionado sobre o que Lindell poderia estar querendo dizer, Andrew Whitney, vice-presidente e diretor da Phoenix Biotechnology, declarou que Lindell errou. Segundo ele, uma empresa forneceu, de forma “compassiva”, um medicamento contendo oleandrina a mil pacientes com câncer em Honduras. Não foi um estudo controlado.

Whitney, que também esteve presente na reunião de apresentação na Casa Branca, disse estar convencido de que a oleandrina pode tratar o coronavírus com segurança, uma vez que dois testes clínicos iniciais, ambos usando o composto da Phoenix Biotechnology, concluíram que ela é capaz de tratar com segurança pacientes com câncer. Esses estudos, no entanto, foram pequenos, cada um envolvendo cerca de 50 pessoas, e não provaram a eficácia do medicamento.

Continua depois da publicidade

Ainda assim, Whitney garantiu estar “cem por cento certo” de que a oleandrina é eficaz no tratamento do coronavírus com base em dados convincentes obtidos com pessoas. Ele comentou que ainda é muito cedo para entrar em detalhes, mas confirmou estar se referindo a um estudo conduzido pela dra. Kim Dunn, uma internista em um consultório particular em Houston.

Esse estudo não foi um teste clínico rigorosamente controlado. Em uma entrevista, Dunn afirmou que a Phoenix Biotechnology forneceu cerca de 200 amostras de um suplemento de oleandrina em doses extremamente baixas para cerca de 80 pessoas infectadas com o coronavírus ou que conviviam com pessoas infectadas. Segundo ela, alguns estudantes de medicina foram chamados para avaliar seu impacto no sistema imunológico dos voluntários com a ajuda de mentores do Instituto Schull, em Houston. “Ainda não sei o que descobriram”, ponderou Dunn, acrescentando que nenhum efeito colateral foi identificado até agora.

A Phoenix Biotechnology poderia vender a oleandrina como um suplemento que não requer receita médica?

Possivelmente. E é por isso que o composto se tornou um tópico tão falado esta semana.

Whitney disse ter esperança de que a Phoenix Biotechnology consiga testar a substância em pessoas infectadas com o coronavírus em hospitais. Mas também pretende vender o extrato como um suplemento dietético que não requer receita médica. Vitaminas, pílulas para emagrecer, melatonina e outros suplementos dietéticos não precisam passar pelo processo de revisão de testes de drogas da FDA (a agência federal norte-americana responsável pelo controle de alimentos e remédios) para ser vendidos.

Continua depois da publicidade

Se a Phoenix Biotechnology vendesse o produto sem receita, seria proibida de rotular a oleandrina como uma cura para a Covid. Mas os cientistas ainda temem que as pessoas acreditem que o produto funciona, especialmente devido às conexões da empresa com a administração Trump.

Lindell não é apenas o rosto da My Pillow, mas também o presidente honorário da candidatura à reeleição de Trump em Minnesota. Em um evento no Rose Garden em março, Trump o apresentou como um “amigo”. (“Cara, você vende esses travesseiros?”, mencionou o presidente.) E Lindell comentou na CNN que era amigo do dr. Ben Carson, secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano e membro da força-tarefa do coronavírus na Casa Branca. Carson também esteve na reunião de apresentação da oleandrina na Casa Branca em julho e está entusiasmado com a droga, segundo Axios.

Essa não é a primeira vez que Lindell é criticado por exagerar o mérito científico de um produto. Sua empresa afirma que seus travesseiros tratam a insônia e a apneia do sono. Em certo momento, a empresa informou, em um anúncio, que seus travesseiros haviam sido testados em um estudo randomizado e controlado por placebo. “Estudo clínico do sono prova: ’78 por cento mostraram melhora no sono!'”

Depois de uma ação judicial movida por promotores da Califórnia e de uma investigação da Truthinadvertising.org, a empresa parou com essas alegações. No fim das contas, o estudo não usou um grupo de controle com placebo e não foi revisado cientificamente. Não havia evidência alguma de que os travesseiros de Lindell pudessem tratar os distúrbios do sono.

Continua depois da publicidade

Quando questionado sobre esse processo na CNN, Lindell disse: “Fui atacado por processos judiciais frívolos que tive de resolver porque apoiei o maior presidente que este país já teve em sua história.”

The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.