O sexo segue sendo tabu, o que por si só já faz com que a badalação em torno de Love, o drama erótico em 3D do diretor Gaspar Noé, esteja plenamente justificada. O filme que estreia nesta quinta-feira no circuito de cinemas tem cenas de relações explícitas desde o plano de abertura, entre um homem, uma mulher e quem mais o casal convida para dividir a cama. São imagens reiterativas de atos sexuais, incluindo uma ejaculação em direção à câmera que, vamos dizer assim, é um dos raros momentos em que o uso das três dimensões faz real diferença para a fruição do espectador.

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Em sua première no Festival de Cannes, em maio passado, o realizador francês nascido na Argentina justificou a abordagem radical do tema por um viés, de certo modo, político. Afirmou que o cinema “costuma apresentar ou o sexo, ou o ato amoroso, como duas coisas separadas”, e isto desde os anos 1970 – Azul É a Cor Mais Quente (2013), premiado em Cannes, seria uma das exceções à regra.

– Quis reproduzir a paixão em seus excessos físicos e emocionais – acrescentou.

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Na prática, esses excessos de fato representam um enfático e vigoroso protesto contra a falta de naturalidade com que costumamos falar do assunto. As sequências de sexo são longas, na medida para escancarar o constrangimento que o tema costuma provocar – a pecha de escandaloso que Love recebeu é consequência direta disso. Você já viu estranhamento semelhante diante das imagens de violência explícita tão comuns no cinema atual? Faz sentido o sexo constituir um tabu mais delicado, mais arraigado do que a violência?

A história em si, em compensação, é pobre demais para dar a Love o status de cult. A construção narrativa tem alguma engenhosidade, mas o que vemos é nada além da deterioração do relacionamento entre um aluno de cinema nova-iorquino em Paris (Karl Glusman) e uma estudante de artes francesa (Aomi Muyock), principalmente a partir da chegada de uma nova vizinha (Klara Kristin) com quem eles têm uma experiência de sexo a três. Ele se chama Murphy; elas, Electra e Omi – nomes assim definidos com algum objetivo mítico-filosófico, mas que, dada a falta de profundidade da história, parecem nada além de pequenas extravagâncias, firulas do cineasta.

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Gaspar Noé, que tem 51 anos e é o autor do – este, sim – polêmico Irreversível (2002) e do afetado Enter the Void (2009), é um cineasta afeito a esse tipo de maneirismo. Em Love, faz uso também reiterado de Gymnopédie 1, a linda canção ao piano de Erik Satie que se tornou um clichê cinematográfico desde que Louis Malle a utilizou no clássico 30 Anos Esta Noite (1963), além de inúmeras citações cinéfilas “de enciclopédia”, que pouco têm a acrescentar à trama – do 2001 de Kubrick (1968) ao Saló de Pasolini (1975). E não poupa autorreferências, que estão na parede de fitas VHS do protagonista e até nos nomes de personagens secundários – incluindo o galerista Noé, interpretado pelo próprio… Gaspar Noé.

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Não é por isso que Love é limitado, e sim pela gratuidade do 3D e pelo nível rasteiro de sua dramaturgia. O cineasta costuma acertar na escolha dos assuntos que aborda, e até mesmo em sua intenção de chocar a audiência. Mas precisa deixar a superfície e promover mergulhos mais profundos na alma humana para obter resultados mais significativos.

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LOVE

De Gaspar Noé

Erótico, França, 2015, 134min, 18 anos.

Estreia nesta quinta nos cinemas, em cópias convencionais e em 3D.

Cotação: regular.