Douglas Brose coloca a bermuda para o treino físico e se apresenta. Não é o sonho recorrente de que está no pódio de Tóquio com a medalha das Olimpíadas no peito que o define. Tampouco os resultados expressivos no caratê, como a liderança do ranking mundial da categoria 60kg entre 2014 e 2017. São as pernas.

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O tendão esquerdo é mais grosso que o direito, levemente deformado. A ruptura ocorreu há pouco mais de um ano e deixou marcas por causa da recuperação em praticamente metade do prazo considerado ideal. É que Douglas tinha pressa por conta de outra marca na perna. Na panturrilha direita estão tatuados os anéis olímpicos.

– Fiz a tatuagem em 2006, um ano antes do Pan no Rio de Janeiro. Como o caratê não estava no programa olímpico, o Pan era a nossa Olimpíada. Fiz pensando que um dia poderia estar, que o caratê entrasse e eu estivesse – explica o potencial medalhista brasileiro em Tóquio-2020.

Para estar presente na primeira vez do caratê nos Jogos Olímpicos, Brose luta também fora do tatame. Ele recebe apoio do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e do Bolsa Pódio, do Governo Federal. Ainda assim, não é o suficiente para um atleta viver de alto rendimento. O carateca precisa do trabalho.

Referendado pelos anos na liderança do ranking mundial, ele dá seminários sobre caratê pelo Brasil. Os eventos ele concilia com as competições, que neste ano estão mais frequentes por causa da busca por pontos para a ida a Tóquio. No entanto, o principal negócio está baseado em Florianópolis, cidade em mora desde os seis anos, quando deixou o interior gaúcho com a família.

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Douglas é o representante brasileiro do principal fabricante mundial de artigos para o caratê. No começo do negócio, chegou a interromper treinamento para poder resolver questões ligadas à empresa, baseada em vendas online. Hoje ele tira tempo do seu dia para acompanhar o andamento mas sem prejuízo ao desempenho, mesmo durante torneios. Ele garante que isso não atrapalha.

– Dei sorte de conseguir trabalhar em formato que dá condição de trabalhar de qualquer lugar do mundo. E dou seminários e cursos que fazem parte do meu trabalho. Cada vez que isso acontece, eu treino e pratico. O esporte considerado amador não te dá condição de viver só dele, mas consegui, por mim, me adaptar bem. Ainda que haja momentos em que o ideal seria descansar ou fazer fisioterapia eu precise trabalhar – explica.

A tranquilidade para conciliar treinos e competições com os negócios tem a ver com um companheiro de trabalho. O pai Armando é engrenagem principal na operação. Recebe os pedidos, faz os pacotes e envia aos compradores. Douglas acompanha o andamento pelo computador ou telefone e faz ações mais pontuais, como parceria com atletas e premiações.

– A minha empresa tem tudo a ver com o que eu faço. Até digo que treino 24 horas por dia, porque eu estou sempre falando de caratê, nas redes sociais eu vejo caratê. Vou dormir e sonho com luta. Embora fisicamente não vai além de duas horas de uma sessão de treino.

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Douglas confere o estoque da loja virtual de artigos para o caratê
Douglas confere o estoque da loja virtual de artigos para o caratê (Foto: Diorgenes Pandini)

Corrida pela ouro

Os negócios têm sido tocados à distância com mais frequência. O volume de participações em torneios praticamente duplicou neste ano. Ele compete mais para obter mais pontos no ranking mundial. A lesão no tendão, há um ano, fez com que despencasse na busca por vaga em Tóquio-2020. Somente os quatro primeiros nesta classificação garantem vaga – Brose está em 11º. Mas Douglas tem outros caminhos. Em último caso, ele disputa uma eliminatória com todos os postulantes, o evento final pré-Olimpíadas, em que só o campeão avança. A outra envolve o Pan-Americano, que começou oficialmente na sexta-feira, em Lima, no Peru.

No total, são 12 vagas distribuídas por continente, com uma ordem pré-estabelecidas e que envolve também o ranking mundial. Os campeões dos jogos continentais têm preferência, mas também dependem de boa classificação. É uma combinação de competência e sorte. Vencer em Lima aumenta a sorte.

– É interessante ter o trevo de quatro folhas no bolso, que é a medalha de ouro no Pan-Americano – considera o campeão do último Pan, em 2015, disputado em Toronto, e duas vezes Bronze, em 2007, no Rio, e em 2011, em Guadalajara.

Brose tem anéis olímpicos tatuados na perna direita
Brose tem anéis olímpicos tatuados na perna direita (Foto: Diorgenes Pandini)

Há dois anos, quando confirmado que a o caratê faria parte das modalidades dos Jogos Olímpicos de Tóquio, Douglas Brose refez suas metas esportivas. Disputar, e vencer, em solo japonês virou obsessão. Rotina, treinos, competições e sonhos – ele sonha à noite com o pódio – foram todos direcionados para isso. Em vez dos habituais seis ou sete torneios por ano, atingiu a marca neste semestre. O próximo será neste domingo, quando ocorrem as lutas de sua categoria no Pan em Lima, no Peru.

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O carateca praticamente não para mais em casa, em Florianópolis. Tudo é a corrida pelo ouro. Sequer tem planos para depois das Olimpíadas.

– Ser campeão dos jogos olímpicos, esse é meu objetivo no caratê hoje. E não é ir para os Jogos Olímpicos. É ser campeão do Jogos Olímpicos. Meu sonho não é ir e participar. Meu sonho é ser campeão – decreta.

Tudo para fazer jus ao tendão deformado na perna esquerda e os anéis olímpicos gravados na direita.

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