Na conversa com agricultoras catarinenses se escuta uma expressão comum ao espaço urbano: lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive na agricultura. Prova do que dizem está no Anuário Estatístico da Agricultura Familiar, lançado em julho, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura (Contag), mostrando que nos campos catarinenses as mulheres são maioria – 53% contra 47% dos homens. O foco da atuação é a atividade familiar, presente em 142.987 das propriedades rurais, em torno de 78% das existentes no Estado, e gerando 364 mil empregos.
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Ainda que historicamente as mulheres sempre estivessem presentes no cotidiano da agricultura, em SC esse protagonismo tem aumentado nos últimos anos. Multiplicam-se iniciativas na agroecologia, em pequenas agroindústrias e nas parelhas de pesca, onde emergem do papel de ajudantes dos maridos para se capacitar como administradoras dos pontos de produção. Essa pujança que justifica o investimento de R$ 10 bilhões para a agricultura familiar catarinense contratado recentemente no Plano Safra, lançado em julho, em Chapecó, no Oeste do Estado, onde as trabalhadoras rurais ganham uma linha específica, nova faixa na linha Pronaf Mulher.
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Para os agricultores familiares que atuam com foco em orgânicos, produtos da socio biodiversidade, bioeconomia ou agroecologia, os juros serão de 3% ao ano no custeio e de 4% no investimento. Além disso, foi anunciado que a compra de máquinas e de implementos agrícolas específicos para a agricultura familiar visando aumentar a produtividade no campo teve redução de juros. Outra notícia que animou as produtoras foi o retorno do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o qual determina que 30% das compras públicas de gêneros alimentícios direcionado à aquisição de produtos venha de agricultores familiares e organizações, como associações, sindicatos, cooperativas.
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O PAA alinha elementos da política agrícola e segurança alimentar, viabilizando a articulação entre produção, comercialização e consumo. Para as agricultoras, uma vantagem é a venda direta ao consumidor.
A merenda que sai do campo
A propriedade onde mora Samara Taffarel Romanzini, 29 anos, no distrito da Fazenda Zandavalli, em Guatambu, região de Chapecó, é tipicamente familiar. Na granja onde são produzidas frutas, hortaliças e mantida uma unidade de terminação de perus, a função dela é cuidar dos morangos cultivados em estufa. As tarefas são divididas: o pai cuida da manutenção elétrica, a mãe atende pedidos e embala, o marido de Samara faz as entregas.

Entusiasmada com a retomada do PAA, Samara explica que a produção se direciona para a merenda escolar de Guatambu e Chapecó, via a Cooperativa Familiar. A vida no campo é uma opção de Samara. Até o ano passado, ela cursava Agronomia e trabalhava como concursada na prefeitura de Chapecó. A jovem agricultora usa as redes sociais e tem até lista de espera.
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Devido à gravidez, nesta época do ano Samara se dá ao luxo de chegar um pouquinho mais tarde na granja, por volta da 8h30mim. A agricultora se diz otimista com linha Pronaf Mulher, com limite de financiamento de até R$ 25 mil por ano, e taxa de juros de 4% ao ano destinada às agricultoras com renda anual de até R$ 100 mil.
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– A volta do PAA vai ajudar bastante a gente, pois agrega um valor bom ao produto. Para mim, agricultura é liberdade, é uma coisa que transforma a cabeça da gente por permitir gerar alimento para as outras pessoas e alimentar uma nação inteira. Eu acho isso muito bonito.
“O que a gente não sabe, aprende”, diz proprietária de agroindústria
Kátia Barp é sócia proprietária do Frigorífico Suínos Produtos Porcel (suínos, em italiano), em Chapecó. Agroindústria fica localizada na comunidade de Linha Simonetti. Em média são abatidos no local 18 suínos por semana. Os animais são comprados de uma granja vizinha. A matéria-prima passa pelas etapas de abate, desossa, moagem, tempero, cozimento, embutimento, preparação de cortes e embalagem antes de seguir para comercialização.
– A gente se criou nisso. O que não sabe, aprende – brinca.

Além de cortes de carne, são produzidos embutidos, como diferentes tipos de linguiças e salames, e torresmo. A empresa tem cinco funcionários e abastece feiras livres e a Cooperfamiliar, uma das cooperativas de região. Para Kátia, uma das vantagens do trabalho na agroindústria é o fato de não precisar sair para trabalhar, já que o estabelecimento fica a poucos metros da casa onde mora com o marido e a filha de seis anos.
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A agricultora está grávida e até o momento da entrevista não sabia o sexo de bebê. Para ela, a atividade é bastante exigida e há inspeção e fiscalização do alimento em todas as etapas de sua cadeia produtiva, o que garante boas práticas nos processos de fabricação e manipulação dos alimentos. Passado o período da pandemia e que afetou bastante a economia, Kátia se diz otimista com o momento atual:
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– Estou com uma ótima expectativa, pois estão retornando as políticas públicas voltadas aos pequenos agricultores familiares e especialmente para as mulheres. Com esses incentivos aumenta a nossa vontade em investir para melhorar a produção – conta Kátia.
“Não depende só do nosso trabalho, mas do clima também”, observa produtora
Filha de um pedreiro com uma mãe do lar, Tatiane Aparecida Stein, 38 anos, conheceu a roça quando se casou, com 18 anos. A moradora da localidade de Braço São João, em Santo Amaro da Imperatriz, na Grande Florianópolis, aprendeu a lidar com máquinas, tratar animais e produzir alimentos. Encontramos Tatiane no galpão da propriedade da família com mais três empregados e o filho de 18 anos, encarregado de levar os produtos para a Central de Abastecimento, unidade do Ceasa na Grande Florianópolis.
Enquanto descasca e embala as espigas de milho verde com o rótulo de produtores, ela fala da safra ruim do ano passado (2021/2022) em consequência da estiagem e das expectativas positivas para a colheita atual.
– Na agricultura, a gente aprende que não depende só do nosso trabalho, mas do clima. Todos os agricultores de Santa Catarina enfrentaram problemas, pois o milho serve para alimentar os suínos e as aves. A gente também faz silagem para os nossos animais, mas é a venda que dá o ganho maior – explica.
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Tatiane diz que o contato com o campo a fez valorizar mais a natureza. Para ela, a rotina puxada de quem levanta cedo e precisa aproveitar os últimos raios de sol, é compensada pela oportunidade de ver a vegetação branquinha pela geada, o vento soprando, o pôr do sol no final das tardes:
– Nos domingos, quando o trabalho alivia um pouco, sempre passeio de bicicleta. Eu me sinto feliz pela vida que levo, por produzir para as pessoas e ainda apreciar a paisagem – diz.
Os caminhos por onde Tatiane passeia foram abertos décadas atrás, pelos sogros. Quando Rosa e João Alberto chegaram, tudo era mato. Para fazer as roças foi necessário derrubar árvores, tendo sido com a fabricação de carvão que o casal conseguiu criar e dar estudo para sete filhos.
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– Foi uma luta muito grande, pois tinha lagoas no terreno, e precisamos drenar. Eu cuidava das crianças, ajudava na roça e andava na vizinhança vendendo queijo caseiro – recorda Rosa Ballmann Loch, 73 anos.
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Com o coração adoentado, Rosa deixou o pesado para os mais jovens e segue cuidando da família e da casa. Para ela, a realidade da mulher na agricultura melhorou bastante, pois o trabalho se tornou menos braçal:
– Fizemos muita força na lavoura. Até para ir até a casa de um vizinho pedir socorro. Hoje, está tudo mais moderno, a gente se comunica pelo celular.
Infográfico explica como funciona a agricultura familiar:
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