Na manhã de 4 de outubro de 1956, ainda de ressaca do pileque que havia tomado na noite anterior para comemorar a vitória na eleição à prefeitura de Florianópolis, Manoel de Menezes passou pelo Tribunal de Justiça, onde ocorria a apuração dos votos. Estava sendo concluída a contagem de uma urna da Coloninha, no Continente, região em que acreditava que ganharia de lavada. Diante da parcial – Osmar Cunha, 96; Menezes, 64; João José de Souza Cabral, 41 –, ele rumou para a redação do jornal A Verdade, escreveu uma reportagem sobre a iminente derrota e estampou na capa: ¿Dormi como prefeito e acordei feito palhaço!¿.

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Estreia nas urnas: saiba como foi a primeira eleição à prefeito em Florianópolis

A manchete antológica foi o desfecho de uma corrida que tinha tudo para se tornar um previsível embate entre os postulantes dos dois partidos dominantes, Cunha (PSD) e Cabral (UDN). Ninguém imaginava que o candidato do PTN faria tanto barulho. Nem o próprio, que a menos de 100 dias do pleito concorria à Assembleia Legislativa em dobradinha com o pai, Menezes Filho, que queria ser vereador. Em 6 de julho de 1954, o TRE confirmou que, no mesmo 3 de outubro em que os catarinenses votariam para vereadores, senadores, deputados estaduais, os florianopolitanos iriam poder também escolher o prefeito. A decisão levou o jornalista a mudar de pretensões e entrar na disputa pelo cargo.

O Código Eleitoral de 1950 proibiu o financiamento partidário com recursos provenientes de sociedades de economia mista e de concessionárias de serviço público, além de doações de anônimos. Eram vedadas, ainda, propagandas que perturbassem o sossego alheio e o uso de alto-falantes nas cercanias de escolas, bibliotecas, teatros, tribunais, hospitais e sedes do Executivo e do Legislativo. Horário eleitoral gratuito, nem pensar. Ou seja, para não infringir a lei, o candidato tinha que se virar.

— A campanha era no corpo a corpo mesmo — lembra o professor Nereu do Vale Pereira, 92 anos, que na época conquistou a suplência de vereador pelo PDC.

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E nisso, Menezes era mestre. Enquanto os adversários das siglas hegemônicas se esforçavam para ser reconhecidos como ¿herdeiros¿ de Getúlio Vargas, a quem faziam oposição até o suicídio do presidente da República em 24 de agosto provocar mobilizações em todo o país, ele visitava cada canto da cidade. A briga pelo espólio político do ¿pai dos pobres¿, traduzida pelo apoio do PTB, considerado o fiel da balança no duelo entre PSD e UDN, foi vencida pelos pedessistas. Junto com os petebistas, formaram a Aliança Social Trabalhista. Mas adivinhe quem faziam o maior sucesso entre as classes menos favorecidas.

Apresentando-se como ¿um cidadão competente, honesto e trabalhador, não um profissional da política ou preso aos interesses de partidos ou de grupos unidos para explorar a coletividade, na ganância do enriquecimento fácil¿, Menezes subia tudo quanto era morro. ¿Não podia ver uma venda. Só de baba (cachaça), calculei ter tomado uns três litros¿, confessou na autobiografia Retalhos do Tempo, lançada em 1977. O que não conquistava no gogó, buscava por meio de seu jornal. Acusava Cunha de comprar votos, Cabral de usar a estrutura da prefeitura e do governo estadual.

Os ataques não eram exclusividade de A Verdade. O Diário da Tarde ironizava o candidato do PSD, O Estado denunciava desmandos do udenista. Correndo por fora, Menezes tinha a convicção de que, na briga dos dois cachorros grandes, o azarão vira-lata – ele – é que iria se dar bem. Ao perceber que errara totalmente em suas previsões, virou-se contra aqueles que trocavam o voto por ¿um par de tamancos¿. Inconformado com o resultado das urnas, desabafou no papel: ¿Hercílio Luz é que tinha razão quando dizia `O povo quer é banda de música e depois chicote¿¿.

Osmar Cunha sofreria com a pena de Manoel de Menezes. O eleito era chamado pelo de ¿balofo¿ e ¿rei momo¿, sempre fazendo das suas ¿osmarmeladas¿ na administração municipal – principalmente após o semanário ¿se acertar¿ com um antigo inimigo, os Bornhausen. Em 1958, o prefeito e o jornalista se sagraram deputados estaduais. Um, pelo PSD de sempre. O outro, vestindo a camisa do PSP. Embora militassem por caminhos distintos dentro da direita, suas trajetórias continuariam se cruzando nos anos seguintes.

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Menezes perderia o mandato em seguida, por falta de decoro. Passeou com Marta Rocha, recepcionou Garrincha, desbravou a Praia Mole. Morreu a tempo de ver o filho, Cacau, se tornar um dos colunistas mais conhecidos de Santa Catarina. Cunha seria cassado em 1969 pelo Ato Institucional no 5 (AI-5), mesmo sendo da Arena, o partido da ditadura militar. Anistiado em 1979, disputou pelo PTB a primeira eleição pós-redemocratização, para o governo estadual, em 1982. Ficou em quarto lugar. Morreu em 1995. Cabral foi nomeado um dos sete conselheiros do recém-criado Tribunal de Contas do Estado, em 1956. Aposentou-se em 1958 e morreu em 1960. O coronel Pedro Lopes Vieira morreu em 1959. Hoje são nomes de rua.