Ao lado dos escombros da sede da antiga fazenda, reina uma maloca. Dentro dela, Maria de Jesus transforma a mandioca tirada da terra em farinha. Mãe de oito filhos, aos 34 anos vive na Raposa Serra do Sol como seus antepassados remotos: distante do colonizador.
Continua depois da publicidade
Maria está entre os 17 mil indígenas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), residentes no 1,7 milhão de hectares da reserva, uma das 32 terras indígenas que ocupam quase metade do território de Roraima, alvo de pedidos de ampliação de áreas protegidas.
Da etnia macuxi, predominante na região, Maria é vigilante com a aproximação de não-índios. Guarda receio do período mais violento da disputa pela Raposa, quando viu sua maloca virar cinzas e o cunhado quase perder o braço com um tiro.
– Aqui não tem mais o branco ameaçando. Podemos pescar e plantar sozinhos – suspira.
A expulsão dos rizicultores, em 2009, modificou a paisagem. As lavouras de arroz, colhidas duas vezes ao ano, viraram descampados amarelados e secos. Vazios, os canais de irrigação só transportam poeira e ferrugem. A produção em larga escala foi substituída por magros rebanhos de gado e plantações pequenas e distribuídas de mandioca, feijão, milho e melancia.
Continua depois da publicidade
Fora comunidades isoladas, os indígenas vestem roupas simples e sabem discorrer sobre seus direitos. Os homens aceleram motos e operam tratores cedidos pelo governo federal ou por não-índios. A energia elétrica é racionada, vem de geradores a diesel, e as estradas definham. As pontes que ainda não caíram devem ruir nos próximos meses com a chegada das chuvas.
– Produzir aqui exige estrutura, é caro. A União nos deixou – reclama Gervásio Pereira.
Gervásio é integrante da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima (Sodiur), dominada por ex-empregados dos arrozeiros. O macuxi ganhava pouco, mas reclama do fim dos rendimentos fixos. Faz oposição ao Conselho Indígena de Roraima (CIR), satisfeito pela exclusividade da terra, mas também queixoso pela falta de um plano de gestão para área.
Coordenador-geral do CIR, Mário Nicácio, da etnia wapichana, considera normal a queda na produção e pede paciência. Em 15 anos, espera ver o Vale do Arroz com o solo recuperado. Vislumbra gado, árvores e grãos semeados na terra agora seca:
– Quatro anos é pouco tempo, o futuro é promissor. O importante é não ser mais explorado.