O caolho Luís Vaz de Camões enxergava longe o mar e as boas rimas.
Faz pouco mais de um século que as telas de Eduardo Dias retratavam o viveiro de barcos ancorados placidamente no espelho das duas baías, na passagem do século 19 para o 20. Centenas de barquinhos pareciam refletir na grande tela a vocação dos ilhéus para a bela “estrada” de líquidos cristais. Hoje, para um casco descer ao mar, só falta a exigência de estudo de impacto ambiental. Como se navegar fosse poluir.
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No tempo do grande pintor paisagista, caravelas, navios a vapor, escunas, baleeiras, bateiras coloridas e açorianas – embarcações de bom calado, ou simples casquinhas flutuantes – qualquer assoalho que boiasse lançava sua âncora na Baía Sul, desde os tempos imemoriais de Sebastiano Caboto, o prático que deu nome à cabotagem.
Mas nem sempre seria assim. Algumas pistas do porvir já alertavam para essa estranha doença dos que, numa ilha, não gostam do mar. As casas eram erguidas de costas para o oceano, refletindo o bizarro sentimento de alguns nativos em relação ao mar: este não era reverenciado como o padrinho, o pai ou o provedor. Era só “um escritório” – que deveria ser esquecido quando não estivesse sendo navegado.
Para o mar – líquido “guarda-comida”, empório de víveres, “ente” da natureza que requer respeito e gratidão -, os ilhéus devotavam os seus rejeitos. Suas latrinas davam para o mar, as marolas servindo de “encanamento”.
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Até prova em contrário, a Ilha continua sendo um pedaço de terra cercado de água por todos os lados. Mas, às vezes, não parece.
Com o menor número de marinas do mundo, o caminho das praias mais parece um frenético monumento às empresas montadoras de veículos.
O que não roda – aqui – não tem vez. A propósito: quando terá consequência prática o Código de Gerenciamento Costeiro, o plano diretor dos mares?
Com este calorzinho, o caminho entre as duas pontas da Ilha deveria seguir o exemplo dos fenícios, dos vikings, dos ancestrais portugueses da saga camoniana. O atalho deveria ser uma magnífica língua azul debruando a costa, com meia dúzia de grandes terminais marítimos fazendo as vezes de pontos dos ônibus do mar.
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