Nos últimos dias de agosto, a Fundação Hospitalar Rio Negrinho registrou pico de atendimentos a pacientes apresentando quadros de diarréia e vômito. Na ocasião, mais de 200 moradores procuraram o hospital, mas dois meses depois, a causa das internações ainda é desconhecida. Neste período, a reportagem manteve contato com moradores, com órgãos oficiais do município e com o Laboratório Estadual de Saúde Pública, o Lacen, na tentativa de desvendar o que pode ter causado o mal-estar coletivo. Mas o fato é que, 60 dias depois, entre teorias da conspiração e realidade, o caso continua sendo um mistério.
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Nesta semana, inclusive, o AN entrou em contato novamente com os moradores que reclamaram da água suja e foram parar no hospital. Eles apontam que, desde então, a água não voltou a ficar turva, mas que até agora não sabem o que lhes fez mal. Os principais bairros em que relataram ter ficado doentes foram São Rafael, Alegre e São Pedro.
Para relatar o que se sabe até o momento e as dificuldades encontradas durante a apuração, a reportagem vai narrar o passo a passo das versões apresentadas — desde ligações não atendidas e contatos mal sucedidos a respostas incompreendidas.
Início da saga
Tudo começou quando a reportagem do AN foi procurada por moradores de Rio Negrinho que registraram em fotos e vídeos uma água escura saindo das torneiras, na noite de 29 de agosto. O que era pra ser apenas um fato curioso, se tornou motivo de desconfiança após centenas de pessoas buscarem o hospital no dia seguinte com sintomas parecidos. A principal suspeita dos moradores, a partir de então, foi que a “virose” foi causada por causa da condição da água.
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O palpite foi reforçado depois que um áudio gravado por um suposto ex-trabalhador da Samae, autarquia responsável pelo fornecimento de água do município, dizia que durante um trabalho de conserto a um vazamento de água “a máquina estourou um cano de esgoto e água e a bomba puxou para as caixas um merdeiro de esgoto”, nas palavras do suposto trabalhador. A versão assustou os moradores, mas logo foi descartada.
À época, por telefone, o diretor da Samae, Valdir Caetano Junior, confirmou um rompimento no sistema de fornecimento de água no bairro São Rafael, mas negou a veracidade do conteúdo do áudio. Além disso, destacou que as águas distribuídas mantêm todos os níveis de potabilidade e que o controle de qualidade é feito rotineiramente, na água de saída da estação de tratamento e também em diferentes pontos da cidade. Portanto, não havia riscos no consumo da água.
Registros do Lacen
No dia 6 de setembro, em contato com o secretário de Saúde do município, Rafael Schroeder, tivemos conhecimento que foram coletadas amostras dos moradores que foram ao hospital para analisar o que pode ter ocasionado os sintomas. Na ocasião, foi informado que as coletas foram enviadas ao Lacen, mas os resultados ainda não tinham retornado ao município.
A partir disso, iniciou também o contato da reportagem com o Lacen, que classificou o caso, inicialmente, como “Surto de DDA” (Doença Diarreica Aguda).
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Em um e-mail, o Lacen, por meio da Secretaria de Estado de Saúde, respondeu que no dia 31 de agosto a Vigilância Sanitária de Rio Negrinho havia realizado a coleta de nove amostras referente ao Programa Vigiágua mensal, uma pesquisa de parâmetro básicos, que já estava programada para esta data, e encaminharam para o Laboratório Regional de Joinville, no dia 1° de setembro.
Segundo a técnica responsável pelas análises, o conteúdo apresentava aspecto característico, sem alteração visual. No entanto, não houve, na oportunidade, solicitação de análises para elucidação de surto. No dia seguinte, foram emitidos laudos e todos apresentaram resultados satisfatórios, ou seja, negativados para a possibilidade de alguma bactéria ou qualquer contaminação na água.
O laboratório ficou sabendo do surto apenas no dia 2 e, durante a manhã, solicitou à vigilância que identificasse os bairros afetados e coletasse amostras em caixas d’água que ainda pudessem conter água referente à data em que os moradores foram parar no hospital. Além disso, foram solicitadas amostras de fezes.
Às 11h30 do dia 3, o Lacen relata ter recebido 25 coletas no total, entre amostras de água e fezes humanas. O material colhido nos reservatórios foi testado para Escherichia coli e Salmonella, mas os resultados deram negativo para as bactérias. No entanto, uma das amostras apresentou resultado positivo para norovírus. Já nas amostras de fezes foi isolada a Escherichia coli, que pode ser uma bactéria inofensiva que faz parte da microbiota intestinal, mas algumas espécies podem ser patogênicas, causando síndrome diarreica, explicou o laboratório.
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Amostras enviadas para São Paulo e ligações mal sucedidas
No mesmo e-mail em que a secretaria de Saúde estadual falou sobre as amostras coletadas, também informou que o Lacen havia enviado o material (22 amostras) para o Instituto Adolfo Lutz, de São Paulo, para identificação. Este procedimento ocorre normalmente quando o conteúdo apresenta crescimento de Escherichia coli. Das três amostras que ficaram no Lacen, nenhuma apresentou crescimento bacteriano.
Este resultado, no entanto, não havia chego até semana passada. No início do processo todo de identificação dessas amostras, o Lacen havia citado o pedido de celeridade nos resultados.
Atrás de mais detalhes sobre como esse vírus e bactéria isolados nas amostras podem agir no corpo humano e de que forma podem ser adquiridos, a reportagem procurou novamente a secretaria de saúde, que indicou contato com o prefeito da cidade, conhecido como Dr. Caio – que também é médico.
No dia 9 de setembro, o prefeito respondeu à mensagem enviada e informou que ligaria na manhã do dia seguinte. Por volta das 9h, foi enviada uma mensagem para saber o horário da ligação, mas Caio não respondeu. Ele tentou retornar a ligação às 18h11 do mesmo dia, via WhatsApp, mas, depois deste dia, não atendeu às ligações.
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No dia 13, a reportagem tentou contato novamente, mas o prefeito informou que estava em viagem. O AN tentou agendar, em duas oportunidades, uma entrevista, via assessoria de imprensa, mas também não obteve retorno.
Por parte da Secretaria de Saúde e Vigilância Sanitária, a versão apresentada era a mesma: exames ainda em análise.
Coletiva de imprensa
Na manhã do dia 20 de outubro, às 9h, a prefeitura de Rio Negrinho, por meio de sua página oficial do Facebook, fez uma live prometendo apresentar os resultados dos exames de pacientes com sintomas de virose, que haviam chegado ao município no dia anterior.
Na ocasião, foi reforçado, mais de uma vez, que o mal estar não foi causado pela água e que, no dia do surto, seguindo protocolo, foi coletado 10% de amostras das mais de 200 pessoas que buscaram atendimento.
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Deste número foi confirmado que, das 15 amostras enviadas para São Paulo, seis vieram negativo para escherichia coli, no entanto, nove ainda careciam de resultado. E, das sete amostras enviadas ao Lacen, seis negativaram para a bactéria e uma apresentou resultado positivo para o norovírus – a versão bateu com os resultados apresentados pelo Lacen.
O secretário da Saúde, Rafael Schroeder, disse, no dia, que este vírus pode ser contraído por meio de alimentos ou em contato com uma superfície contaminada, por exemplo. Também apontou que, nos últimos dias, mesmo em meio à pandemia, notou um relaxamento da população com a higienização das mãos, o que acredita que possa ter sido um dos motivos do surto na cidade.
A Samae também afirmou, durante a coletiva, que contratou uma empresa à parte para examinar a água e os laudos descartaram totalmente a possibilidade de contaminação. Também foi reforçado que, caso um morador tivesse consumido a água turva, havia possibilidade de mal estar, mas não a ocorrência de virose, já que a água é tratada.
Após a coletiva, que descartou a contaminação da água, mas não precisou a causa da virose registrada nos moradores do município, a reportagem entrou novamente em contato com o Lacen, que informou, por meio de nota que a Escherichia coli é patogênica (pode causar doenças) apenas em alguns subtipos específicos. No caso das 25 amostras coletas em Rio Negrinho, apenas uma se enquadrava na lista das patogênicas.
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Além disso, o Lacen citou que as doenças de transmissão hídrica ou alimentar (DTHA) normalmente são causadas por bactérias, por vírus ou por toxinas derivadas de bactérias e concluiu que:
“o setor de bacteriologia do LACEN/SC investiga a presença das principais bactérias comumente associadas com as DTHA. Os resultados obtidos descartaram essa possível causa. Para as outras possibilidades, menos frequentes, outros tipos de análises poderiam ser realizadas, mas estas estão fora do escopo do setor de bacteriologia”.
Ou seja, até o momento, não é possível saber o que causou o mal-estar nas pessoas e o surto de internações em Rio Negrinho. O caso segue como um mistério, inclusive para os moradores que ainda não sabem o que os fez adoecer.
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