Em menos de 48 horas, entre os dias 10 e 12 de maio, duas moradoras de rua foram assassinadas nas proximidades do Centrosul e da Passarela Nego Quirido, no centro de Florianópolis. As mortes violentas, somadas ao aumento no número de homens e mulheres usando drogas e morando nos canteiros da Avenida Gustavo Richard, principal acesso ao sul e importante artéria de saída da Ilha, expõem um quadro preocupante que mistura ausência do poder público, degradação urbana e reincidência de crimes dos mais variados. Tudo isso debaixo dos olhos de membros dos poderes Judiciário e Legislativo catarinenses, bem como dos centros de acolhimento e assistência da prefeitura da Capital, que ficam instalados naquela região.

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Os assassinatos são sintomáticos de um problema antes de tudo social que só cresce na Capital. O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) contabiliza mais de 800 pessoas em situação de rua na cidade. Já a prefeitura estima que cerca de 700 homens e mulheres estejam nessa situação. Ambas as projeções são quase o dobro da quantidade de moradores de rua estimada pelo município há um ano. Em junho de 2016 a prefeitura apresentou um estudo em que contabilizava 421 pessoas em situação de rua na cidade — incluindo as que estavam em casas de acolhimento, no albergue e em casas de apoio.

Para perceber que os números crescem geometricamente, basta dar uma caminhada pela região que vai da Prainha ao Centrosul. Em uma tarde chuvosa, um homem de 49 anos, desembarcado na Capital há quase um mês, caminha de olhos vidrados no chão às margens da Baía Sul e atrás da passarela do samba. Procura qualquer coisa que possa valer um dinheiro. A sacola está vazia. Com uma lata de refrigerante fuma a pedra que buscou na rua depois de encontrar a esposa com outro homem na cama em Cascavel, no Paraná. Missionário evangélico, ele conta que participou do Congresso dos Gideões, em Camboriú, antes de chegar a Florianópolis.

— É difícil estar na rua, já roubaram minhas coisas de onde durmo, perto da rodoviária, e também mataram a Chaveirinho, que dormia aqui perto e morreu asfixiada. Estive em quatro cidades antes, e aqui é o lugar mais difícil para estar na rua — conta, se referindo à morte de Lucélia Aparecida Andreski, 33 anos, encontrada enforcada com uma corda na madrugada de 12 de maio nas cercanias do Centrosul. Seu corpo estava dentro de uma barraca.

Prefeitura lança plano de ações

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Em meio à flagrante degradação e abandono de espaços públicos por Florianópolis, notoriamente no Centro, a prefeitura lançou a primeira iniciativa do programa Floripa Social voltada à assistência de pessoas em situação de rua. O lançamento do programa, que ainda não tem cronograma de ações definido, busca através do poder executivo municipal e apoio de outras entidades resgatar as pessoas em situação de rua e inseri-las novamente na sociedade.

O programa prevê intensificação da abordagem social com consultório de rua, reativação do Núcleo de Apoio Familiar Rodoviário (NAF) na Rodoviária Rita Maria, abertura de 100 vagas em instituições para dependentes químicos, ampliação de 50 vagas em albergues e abrigos, revitalização e expansão do funcionamento do Centro POP para os fins de semana, além de outras ações de reinserção na sociedade. Sua implantação, porém, não tem data para sair do papel.

Nas ruas, a proposta é desdenhada. Um jovem de 24 anos, que tira seu sustento de sinaleiras vendendo livros e de lixeiras, de onde saem os materiais recicláveis que cata para sobreviver, acredita que as ditas ações “só vão aumentar o número de pessoas nas ruas”. Sua opinião se baseia na percepção de que “não há trabalho e oportunidades” formais para que deixem essa vida. Na rua, de um jeito ou outro, “a gente vai na padaria, toma café a hora que quer, e ainda trabalha”. O jovem mora há seis anos nas ruas da Capital e atualmente vive embaixo da passarela do Centrosul.

— Eu nunca dormi no Centro Pop. Não aguento ficar ali o dia todo esperando a hora de servirem a comida. Quero ir atrás da minha comida, não ter horário para comer e dormir. Aqui fora eu consigo manter um pouco de liberdade — acredita, enquanto pega em sua barraca uma nova leva de livros para vender nos semáforos da região.

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Barradas improvisadas na região do CentroSul
Barradas improvisadas na região do CentroSul (Foto: Marco Favero / Agencia RBS)

Mortes investigadas

Dos dois homicídios de moradores de rua registrados em maio no entorno da Avenida Gustavo Richard, um deles é considerado solucionado pela Polícia Civil: a morte de Carla Eliane Valiente de Oliveira, 42 anos. Ela foi morta a golpes de faca na madrugada de 10 de maio. A vítima chegou a ser socorrida, mas o Samu constatou o óbito ainda no local.

De acordo com a Delegacia de Homicídios, Marilda Lourenço, conhecida como Índia, de 43 anos, confessou a autoria do crime e disse que havia levado um tapa no rosto desferido por Carla, o que teria motivado o ataque com uma faca. Índia está presa preventivamente no Complexo Penitenciário da Agronômica.

Já a morte de Lucélia, a Chaveirinho, ainda é investigada pelo delegado Eduardo Mattos. Uma das linhas da investigação é de que a vítima tenha sido morta por outros moradores de rua, algo que também é possível ouvir de outras pessoas que moram por ali. Mattos afirma que já mapeou alguns suspeitos, mas ainda não sabe a motivação do crime.

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— A motivação é algo mais complexo de se apurar, mas eu acho que pode ter sido alguns dos moradores da região — explica Eduardo.