Contrafeito. Desconfortável. Procuras outra expressão. Não encontras melhor para caracterizar a expressão que se reflete na fisionomia do Luiz Henrique da Silveira. Sabes (sabias à época) de quem é filho. O que não compreendes: quais as razões da insuficiência de dados a respeito dele. Voltas a esmiuçar o teu caderno. Quase nada. Na terceira página, apenas três linhas. Assim distribuídas: ¿Luiz Henrique da Silveira – escrivão da SSP, acadêmico de direito, filho do correspondente do jornal O Estado de S. Paulo¿. Só. Nada de número, nada de idade, nada dos motivos da prisão.

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Morte de Luiz Henrique: o fim de um capítulo da história política de SC

Em Primeiro de Abril, o escritor Salim Miguel lembra os dias de cárcere logo após a golpe militar que derrubou João Goulart da Presidência da República e deu início a uma série de governos chefiados por generais de 1964 a 1985. Declaradamente comunista, o escritor foi um dos primeiros alvos em Florianópolis e fez uma narrativa sobre aqueles dias e as 56 pessoas com quem conviveu no quartel da Polícia Militar.

No texto, fala do estudante Luiz Henrique da Silveira – na época com 24 anos e ainda fora da vida político-partidária que daria início em 1970 e que seria encerrada há exatamente um ano, em 10 de maio de 2015, quando um infarto deu fim à vida do senador, ex-governador, ex-deputado federal, ex-deputado estadual e ex-prefeito de Joinville.

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Luiz Henrique em 15 palavras

Salim Miguel não sabia, mas Luiz Henrique não estava naquela cela por acaso. Seus passos vinham sendo acompanhados pelo temido Serviço Nacional de Informações (SNI) desde 1962, dois anos antes do golpe militar, quando foi afastado da função de escrivão do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) ¿por manifestar ideias esquerdistas¿.

Os movimentos de Luiz Henrique sob olhar do SNI fazem parte de um relatório elaborado pelo órgão em 1977, ano em que ele assumiu pela primeira vez a prefeitura de Joinville, filiado ao MDB. O DC teve acesso ao documento em que LHS é caracterizado como uma pessoa que manifestava ideias de esquerda e que fazia oposição sistemática ao regime militar (veja trechos abaixo).

Mais do que isso, apontam a gênese do líder político que ganharia destaque nas décadas seguintes e teria papel de protagonista na política do Estado. Ou, como lembrou Salim Miguel em suas memórias do cárcere, alguém que ¿não pretendia ser mais um advogado em um país de advogados, queria poder ocupar um lugar determinado na sociedade, na vida da cidade, do Estado, do país¿.

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O primeiro registro do relatório é do afastamento do Dops em 1962. Curiosamente, a pecha de ter trabalhado no órgão que simbolizava a repressão durante o regime militar perseguiu LHS durante quase toda sua carreira política. Ele foi removido do órgão antes do golpe militar por causa de um artigo no jornal Folha Catarinense. Não era qualquer artigo.

—Está na hora de o Exército virar povo e o povo virar Exército. Está na hora da luta, da revolução. Ancinho, enxada, foice, chave inglesa, tudo é arma. Operário, camponês, funcionário, tudo é povo, tudo é soldado. Não há mais que hesitar, que esperar, que ouvir; reformas em papel, promessas em papel, nada mais ilude o povo. Há que lutar, que mudar tudo de uma vez, que salvar essa vilipendiada pátria nossa. E está na hora de lutar de uma vez—, destaca LHS em artigo na Folha Catarinense.

Dos arquivos do SNI, entre 1962 e 1977, é possível identificar três facetas daquele jovem Luiz Henrique vigiadas pelo serviço secreto e repressivo. O comunista/esquerdista, o opositor do regime, o crítico das oligarquias locais. Nos trechos destacados abaixo, exemplos de cada um deles.

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