Três telegramas confidenciais enviados entre abril e julho de 1965 ao Departamento de Estado americano e que vieram à tona na última semana recontam em detalhes uma das histórias mais marcantes da política joinvilense. Então diretor da Fundição Tupy – a maior indústria joinvilense da época – Nilson Wilson Bender despontava no cenário estadual como o provável candidato a governador pela UDN naquela que seria a primeira eleição pós-golpe militar.

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– Bender é um capaz industrialista pró-Lacerda sem uma experiência política significante. Ele aparece como um novo rosto, e, juntamente a uma ascensão recente na popularidade tanto de Lacerda quanto da revolução em Santa Catarina, conquista uma vantagem sobre quem quer que o incumbente e vacilante PSD possa nomear – escreve representante do consulado americano em Curitiba em um relatório com data de 8 de abril de 1965.

Entusiasta do regime militar, Bender tinha bom relacionamento com o então presidente Castello Branco e aparecera na UDN como uma alternativa à hegemonia das famílias Konder Reis e Bornhausen, que comandavam o partido havia mais de 20 anos.

Tinha, como explica o cônsul americano, características que pareciam agradar aos delegados da legenda, o eleitorado e os militares.

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– Wilson Bender é um abastado diretor da grande empresa de Joinville, a Tupy S/A. Ele é tanto pró-Lacerda quanto uma espécie de linha-dura.

Em março daquele ano, Bender foi nomeado candidato ao governo pela UDN com uma esmagadora vitória interna – derrotara o grupo dos Konder Reis/Bornhausen por 136 votos a 10 na convenção da legenda. De acordo com os telegramas enviados pelo cônsul ao Departamento de Estado americano, o clima era de otimismo e o joinvilense tinha tudo para derrotar o candidato que o então governador Celso Ramos (PSD) indicasse para sucedê-lo.

Ninguém imaginava, no entanto, era uma rápida reação dos Konder Reis/Bornhausen, que tentavam emplacar o então senador Antônio Carlos Konder Reis como nome na disputa para a administração estadual.

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A reviravolta

Dois meses depois da convenção, um novo telegrama demonstra a preocupação do cônsul diante da reviravolta sofrida pelo candidato, em meio a um cenário de disputas internas e a um possível racha na UDN.

– Enquanto Santa Catarina se prepara para as eleições governamentais de outubro, o processo normal de escolha de candidatos e formação de alianças partidárias foi suspenso para esperar o resultado da disputa pelo controle da UDN (…).

Apesar de Bender ter sido nomeado candidato ao governo em março, ele não conseguiu consolidar sua vitória na eleição subsequente para oficiais do partido, que eram dominados pelas forças dos Bornhausen/Konder Reis.O grupo, mais tarde, declarou a indicação de Bender como inválida e convocou uma nova convenção para o dia 29 de maio, quando o senador Antonio Carlos Konder Reis provavelmente fará oposição a Bender. Com a exceção natural dos Bornhausen, observadores políticos de todos os partidos acreditam que Bender é o favorito, mas por uma margem tão pequena que torna a confiabilidade do sistema operacional duvidosa – escreveu em 17 de maio de 1965.

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Ao citar todas as ações executadas pela velha guarda do partido para derrotar o joinvilense – criação de novos diretórios, desqualificação de delegados ligados a Bender e até mesmo a concessão de empréstimos a integrantes do partido que apoiavam o joinvilense – o cônsul diz ser impossível prever o que iria acontecer semanas depois, na última convenção do partido.

– Os homens de Bornhausen dizem que eles estão absolutamente confiantes de que vão nomear o seu candidato. As forças de Bender também estão perigosamente otimistas. Observadores de fora da UDN veem Bender como o provável vencedor. No entanto, ninguém prevê uma vitória por mais de cinco ou seis votos de margem.

O resultado da convenção está na capa de “A Notícia” de 1º de junho de 1964: Antônio Carlos Konder Reis foi apontado vitorioso na disputa com apenas 13 votos de diferença.

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A derrota, que Bender, morto no ano passado, dizia nunca ter esquecido, enterrou de vez sua candidatura ao governo do Estado, mas selou seu futuro político em Joinville, ao ser eleito prefeito um ano mais tarde.

Projeto revela arquivos da ditadura militar

Os telegramas que falam sobre a disputa eleitoral em SC em 1965 fazem parte de um acervo de 9.872 documentos americanos produzidos entre os anos de 1963 e 1977 sobre a ditadura no Brasil, disponibilizado desde a última semana na internet em um portal de pesquisadores da Brown University e da Universidade Estadual de Maringá (UEM) por meio do projeto Opening the Archives (Abrindo os Arquivos).

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a pesquisa é resultado de uma parceria entre as instituições, que digitalizaram e indexaram o material do Departamento de Estado americano e da CIA. Há, até o momento, aproximadamente 2 mil documentos na página, que ficará disponível até o dia 10 de abril, quando será lançado oficialmente em um simpósio da Brown sobre a ditadura.

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