Para que mais um filme sobre torturados, mortos e desaparecidos na ditadura militar? Essa é uma pergunta natural para brasileiros com 40 anos ou mais, que assistiram a longas ficcionais como Pra Frente Brasil, de Roberto Farias, ou jornalísticos como O Dia que Durou 21 Anos, de Camilo Tavares.
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Não é o caso da jovem dupla de produtores, roteiristas e diretores de Verdade 12.528, documentário de 55 minutos lançado em outubro passado na 37ª Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo.
O fotógrafo Peu Robles nasceu em novembro de 1985, quando o regime de exceção já havia se encerrado havia quase um ano. A jornalista Paula Sacchetta veio ao mundo em janeiro de 1988, quando até uma nova Constituição recebia os últimos retoques.
História e política não são temas estranhos para os realizadores. Paula é filha e neta de jornalistas (seu avô, Herminio Sacchetta, comandante de redações entre as décadas de 1930 e 1960, foi chefe comunista e trotskista preso e torturado durante a ditadura getulista). Ela e Peu participam de um grupo paulistano inspirado no movimento argentino H.I.J.O.S., de filhos e netos de mortos e desaparecidos, dedicado à memória dos Anos de Chumbo.
Verdade 12.528 surgiu quando os dois tentavam firmar um entendimento sobre a Comissão da Verdade, criada em 2012 e destinada a apurar violações de direitos humanos entre 1946 e 1988.
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– O Peu falou: “Vamos fazer um videozinho de cinco minutos para jogar na internet”. Eu falei: “Tá bom”.
Aos poucos, o projeto de produzir um vídeo cresceu e se sofisticou. Durante as filmagens de Verdade 12.528 (o número é o da lei que criou a Comissão da Verdade), foram entrevistadas 40 testemunhas. Dessas, 27 aparecem no documentário. Para levantar fundos, Peu e Paula recorreram ao site de financiamento coletivo Catarse. O orçamento inicial era de R$ 17 mil. Em 45 dias, eles tinham arrecadado R$ 18,5 mil de 154 apoiadores.
O filme traz depoimentos de personagens conhecidos, como o ex-ministro da Comunicação Franklin Martins (para quem a relação dúbia com a memória do período faz do Brasil um “país do talvez e do quem sabe”), e de outros nem tanto, como Adalgisa, moradora da região do Araguaia, perseguida com familiares por colaborar com a guerrilha do Partido Comunista do Brasil (PC do B). No mês que vem, Verdade 12.528 será exibido na mostra Nunca Mais, na Alemanha.
Assista ao trailer de Verdade 12.528, de Paula Sacchetta e Peu Robles:
Confira a entrevista com Paula Sacchetta e Peu Robles, realizadores de Verdade 12.528
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Qual era a intenção de vocês ao filmar Verdade 12.528?
Paula Sacchetta – No início, a gente começou a esboçar algo na linha de razão e emoção. A ideia era mostrar o quanto essas feridas estão abertas. A gente mostra que há famílias tentando saber como pais, irmãos, tios e primos foram assassinados. Queríamos também abordar a importância e as críticas à Comissão da Verdade. Fizemos uma ponte com o presente. Entendemos que ninguém deu cor humana à tortura e aos desaparecimentos.
Como tem sido a recepção?
Paula – O filme estreou na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro, sem que tivéssemos planejado. Estávamos finalizando o trabalho e enviamos à coordenação da mostra um DVD com o material inacabado. Ficamos surpresos ao ser comunicados de que os organizadores faziam questão de que fosse lançado durante o evento. A sessão de estreia foi no Cine Sesc, a maior tela de cinema de São Paulo, com 330 lugares ocupados e a presença de alguns dos entrevistados, como Maria Rita Kehl e Guiomar da Silva Lopes. Às vezes, termina uma sessão e alguém nos diz: “Obrigado”. Essa é a palavra que mais temos ouvido.
Este é o primeiro filme de vocês. Pretendem voltar a fazer documentários?
Peu Robles – A questão não é voltar a fazer documentários. Jamais vamos parar de fazer documentários. Não queremos fazer algo militante ou malfeito. Queremos fazer algo que seja bonito. A gente abdicou de muita coisa pelo Verdade 12.528. Deixamos de ganhar dinheiro em empregos formais, abrimos mão de salários altos. Nossa intenção era fazer algo que o público pudesse enxergar. Escrever um livro num país de não leitores, como o nosso, é difícil. O cinema tem mais apelo.