Quanta gente, mesmo sabendo perfeitamente qual é a sua carreira dos sonhos, deixa o gosto e as vontades pessoais de lado em favor de estabilidade financeira ou pressão social e da família? Quanta gente, em meio à correria do dia a dia, esquece de transformar os sonhos em planos – e vive como se o tempo não estivesse passando; como se algum dia (um dia que geralmente nunca chega) fosse poder parar todo o resto e finalmente se dedicar àquilo que sempre quis fazer?
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É esse tipo de reflexão que o documentário Mr. Dreamer procura provocar. Definido como um “docudrama”, o filme estreia no NOW no dia 29 de abril, e na Globoplay em maio. A produção é de Pedro Sirotsky e Flávia Moraes, com roteiro de Marcelo Férla. As gravações foram feitas em Dublin, na Irlanda, e em Porto Alegre (RS) e na Praia da Barra, em Garopaba (SC); entre setembro de 2019 e setembro de 2020 – ou seja, boa parte das gravações aconteceram em plena pandemia.
Mas Pedro Sirotsky não é só o produtor do documentário: ele é também o próprio “Mr. Dreamer”, o protagonista do filme. O sobrenome deve ser familiar para quem vive no sul do Brasil: Pedro é filho de Maurício Sirotsky, fundador do Grupo RBS; e começou uma carreira em comunicação aos 17 anos de idade, no rádio e na TV. O resgate da história, passada há mais de 40 anos, é essencial para entender a gênese de Mr. Dreamer.
– Eu era programador musical de rádio e passei a ter um programa na TV, que na época era a TV Gaúcha – conta Pedro. – Esse programa foi uma espécie de revolução na programação regional, por colocar um menino de 17 anos, aos sábados, falando de rock na TV aberta. E isso em 1974! Não existia nem MTV ainda, não tinha programa que falasse de rock na TV, ainda mais em uma emissora regional.
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Na época, o jornalista Nelson Motta apresentava o programa Sábado Som na Globo; e Pedro passou a apresentar a versão regional – que logo teve o nome alternado para Transasom, mesmo nome do programa de rádio apresentado por ele.
– Eu mostrava shows dos Rolling Stones, do Kiss, do Alice Cooper, dos Beatles… – relembra o comunicador e empresário. – Eu também abri muito espaço para a música gaúcha. Na época eu não tinha dimensão do que estava acontecendo, mas foi revolucionário.
Pedro relembra o processo para encontrar, adquirir e exibir músicas, videoclipes e gravações de shows; em uma época em que não havia a facilidade da internet, do YouTube, do Google e das redes sociais.
– Algumas pessoas do mundo da música recebiam filmes das gravadoras, literalmente filmes, 35mm, de concertos; outras viajavam e compravam, na base da pirataria, cópias de filmes e discos; e havia os famosos “comissários da Varig”, que eram quem trazia esses materiais para a gente, para o Brasil – ele conta, rindo. – Um cara chegava e falava que tinha acabado de trazer um vídeo de determinado show de Los Angeles, e a gente tinha que comprar do cara, não tinha jeito. Por isso o programa foi revolucionário, porque mostrava coisas a que era muito difícil ter acesso.
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– A grande rádio de música jovem do Rio de Janeiro era a Rádio Mundial, que era no AM, e tinha uma cobertura muito forte; então às vezes era possível sintonizar a Rádio Mundial de qualquer lugar do Brasil – prossegue Pedro. – E lá trabalhava um cara chamado Big Boy, que provavelmente foi o primeiro DJ de rádio do Brasil, e morreu muito moço, com 37 anos. Eu fiquei amigo dele; e ele era um dos caras que me fornecia material.
Pedro relembra ainda que se comunicava com o público respondendo cartas – e media a popularidade e repercussão do programa à medida que o número de cartas recebidas aumentava semana a semana.
Um dia, porém, o rumo das coisas mudou: em 1979, Maurício Sirotsky, pai de Pedro, colocou o filho “na parede”, segundo o que o próprio empresário conta.
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– Ele usou exatamente esta expressão: “Olha, vamos parar de brincar de ser artista, e vem ajudar a construir esta empresa” – afirma. – Na época, eu tinha 22 anos; não tinha maturidade nem força para enfrentar o meu pai. Mas eu não estava “brincando” de fazer televisão; eu amava o que eu fazia. Mas, em 1979, eu parei, então, e passei a participar do mundo corporativo.
Foram mais de quatro décadas seguindo esse caminho – em 1998, Pedro se mudou para Santa Catarina, para trabalhar no braço da empresa no Estado, e mora em Florianópolis até hoje. De executivo da companhia, ele passou a acionista, e aos poucos, finalmente, foi se preparando para encerrar o que chama de seu “ciclo corporativo.”
– Quase 45 anos fazendo a mesma coisa, sabe… Eu cansei, simplesmente – resume.
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Ao longo de todo esse tempo, porém, Pedro não se afastou totalmente da música – esteve por trás das criações das rádios Atlântida e Itapema; e ajudou a trazer diversos shows internacionais a Santa Catarina: de Rod Stewart, Eric Clapton, Paul McCartney…
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– Eu nunca perdi minhas conexões, então as usava para movimentar esse tipo de coisa – explica. – Acho que ajudei a aumentar a autoestima do Estado nesse sentido, já que antes as pessoas sempre tinham que viajar para Porto Alegre, Curitiba, Rio ou São Paulo para ver grandes eventos. Eu tive que sair da música por causa do trabalho, mas a música nunca saiu de mim.

Com a “aposentadoria” do mundo corporativo, Pedro finalmente se viu com tempo para tocar um novo projeto – algo que fosse mais a sua cara, e que conversasse com aquele jovem que teve seus sonhos interrompidos no final dos anos 1970. A convidada para dividir com ele essa missão foi Flávia Moraes, cineasta de publicidade que trabalha na área há mais de 30 anos.
– A Flávia é da minha faixa etária; ela também está entrando em outra vibe nessa fase da vida, sabe? – comenta Pedro. – Eu tive meu sonho interrompido lá em 1979, e não quero que isso aconteça com outras pessoas. Daí começou o projeto. Decidimos fazer um piloto: escolher uma cidade no mundo e ir lá, conversar com jovens que tenham hoje a idade que eu tinha naquela época, ver como é a cabeça deles, o que eles pensam – e sempre tendo a música como fio condutor.
O piloto foi gravado em Dublin, na Irlanda, e ficou pronto, ironicamente, em março de 2020 – exatamente o mês em que estourou a pandemia de coronavírus. Na época, Pedro já estava em Los Angeles, nos Estados Unidos, pronto para começar a gravar o segundo episódio da série; mas precisou interromper tudo e se isolar em sua casa de praia com a namorada – os dois passaram 54 dias sozinhos por lá.
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– Eu saí dessa hibernação de 40 anos e fui respirar a liberdade, e aí imediatamente precisei voltar à hibernação; só que, dessa vez, com todo o planeta – Pedro ri da ironia. – Aos poucos eu percebi que não podia ignorar o que estava acontecendo, não podia tocar esse projeto sem levar em conta a pandemia. Então, ao longo do ano passado, nós redesenhamos o projeto.
Mr. Dreamer se transformou em um documentário com início, meio e fim – embora, na negociação feita com a Globoplay, exista a possibilidade de continuidade. O fio condutor continua sendo a música, mas, segundo Pedro, o teor se aprofundou em provocações relacionadas ao que cada um de nós está fazendo com a própria vida. É como se o filme perguntasse ao espectador: “Você está no caminho dos seus sonhos?”
– Abordamos bem a questão do tempo; o fato de que nós pensamos, erroneamente, que estamos no domínio do tempo – Pedro descreve. – Virou uma peça de reflexão. Sabe quando você assiste um filme e dorme com aquele tema, fica pensando, no dia seguinte quer debater com alguém…? Esse é o nosso desejo, a nossa meta.
Finalizar o projeto em meio à pandemia foi, segundo Pedro, “totalmente desafiador”: as gravações feitas no Brasil, “com todos os cuidados possíveis e imagináveis”, foram dirigidas por Flávia, de Los Angeles, por meio de um iPad.
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– Eu não sou ator; nem profissional, nem amador – diz Pedro. – Eu traduzi um pouco de mim mesmo no documentário, mas de certa forma tendo que interpretar, atuar. Pra mim, isso é um desafio absurdo.
O empresário diz que uma possível continuação para Mr. Dreamer ainda está sendo desenhada; mas que o foco agora é pensar menos em lugares, e mais em pessoas.
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– Queremos tentar entender como podemos dar uma mão para de fato fazer as pessoas viverem os seus sonhos – explica Pedro. – A gente pretende conversar com pessoas que vivem seus sonhos e são felizes com eles; pretende conversar com pessoas que nunca realizaram seus sonhos… Queremos trabalhar muito mais nessa direção. Não vamos dar tanta prioridade ao projeto original, que era visitar o mundo; e sim focar na ideia de visitar as pessoas, dentro delas.
– O mundo em que vivemos hoje nos provoca demais: é muita informação, muita comunicação – ele conclui. – Nós ficamos preocupados em absorver tudo e dar respostas – e não temos tempo de parar e entender o que queremos, o que é melhor para nós mesmos.
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