O que você filmaria nas últimas semanas de vida? O diretor Marcos Prado (Paraísos Artificiais) tinha uma história dramática e contundente sobre os últimos suspiros do anti-herói nacional Marco Archer, condenado à morte por tráfico de drogas na Indonésia e executado em janeiro de 2015. Além do caso ter chocado o país, a ideia de um detento filmar a pré-morte e denunciar as irregularidades do sistema é inovador no cinema. Mas Prado não soube explorar toda a complexidade do assunto no documentário Curumim,que estreou em Florianópolis nesta semana no Beiramar e no Iguatemi.
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Como deixou claro em outras entrevistas, o cineasta era amigo de Archer, o que explica muita coisa na produção. É mais um filme em homenagem ao traficante do que um documentário sobre um assunto tão penoso: a pena de morte e a corrupção no sistema carcerário da Indonésia. Com cenas dramáticas e algumas vezes cômicas, o carioca Archer mostra o cotidiano na cela. Apresenta colegas, fala da família e do local insalubre. Está aí uma das melhores sacadas do filme. É interessante essa perspectiva de amadores filmando seu cotidiano. A câmera usada pelo condenado entrou clandestinamente no local.
Com as imagens de dentro da cadeia, temos mais vídeos sobre a boa vida que Archer tinha antes de ser preso. Nas entrevistas que Prado faz, aparecem apenas conhecidos e familiares do carioca, o que acaba forçando muito o foco no traficante. Não que ele não mereça uma homenagem, mas essa tentativa de vitimizá-lo acabou deixando o longa-metragem sem profundidade. A problematização da pena de morte e da corrupção ficaram no plano secundário.
Lembro do Ônibus 174, onde José Padilha faz um bom debate sobre violência na infância, vulnerabilidade social e segurança sem vitimizar Sandro Barbosa do Nascimento. No final, você se pergunta: quem é a vítima? Apesar de tocante e inovador, Curumim não conseguiu chegar lá.
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Após duas décadas, o diretor Danny Boyle e seus meninos retornam à tela na sequência de Trainspotting – Sem Limites. Desta vez, é claro, mais velhos. Pelo que dá para perceber no primeiro trailer, divulgado na semana passada, os cabelos brancos e as rugas são a única diferença entre o novo e o longa dos anos 90. A câmera e montagem frenética continuam as mesmas, com direito à música Born Slippy, que dá vontade de dançar ou, pelo menos, mexer a cabeça. O filme está previsto para estrear no início do ano que vem. Agora é aguardar e ficar na fissura.
Escondido no Netflix
Top of the Lake pode ser analisada por diversos aspectos. Ao mesmo tempo em que mostra uma sociedade patriarcal que violenta a mulher, a série inglesa desfere sobre corrupção e violência infantil sem poupar ninguém. Sim, é nossa imagem e semelhança, mas com um filtro neozelandês. O certo é que não se trata de mais uma narrativa de investigação e sim uma produção que foge de qualquer clichê.
Os criadores Jane Campion e Gerard Lee exploram bem cada personagem, principalmente Tui (Jacqueline Joe), uma menina grávida que tenta o suicídio na primeira cena da minissérie ao descobrir uma gravidez. Primeiro ponto é a atuação de menina, que desaparece sem deixar sinais. Para solucionar o caso, a investigadora Robin Griffin (Elisabeth Moss) retorna ao paradisíaco vilarejo de Laketop, chefiado por Matt (Peter Mullan), um rei das drogas impotente que se autoflagela.
No meio desse enredo, temos os belos planos abertos de um vilarejo da Nova Zelândia, tirando o humano do centro da narrativa. Como se quisessem mostrar: olhe como vocês são insignificantes e só fazem maldades perto de tamanha beleza. Uma obra de arte nos confins da Netflix.
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