Mais de duas semanas embarcados, viajando pelo litoral brasileiro para monitorar e estudar as baleias jubartes: essa foi a aventura vivida por quatro estudiosos no Projeto Expedição Abrolhos 2020, viagem de exploração científica registrada no documentário Ciano, produzido pela Limbo Studio, de São Paulo (SP). Os tripulantes foram Pedro Nogueira, de Campinas (SP); Daniel Lewis, de Salvador (BA); e Rihel Venuto, de Porto Alegre (RS) – além de André Nogueira, paulista radicado em Florianópolis e formado pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), fundador da Mysticeta Research, uma das empresas por trás do projeto.
Continua depois da publicidade
– Trabalhar embarcado com pesquisa, no meu ponto de vista, é maravilhoso – diz André, que está acostumado com esse tipo de trabalho desde a formatura no curso de Ciências Biológicas. – Mas é bem difícil. Você fica em um ambiente confinado, com os pesquisadores, a tripulação… Pegamos tempestades; dormimos balançando muito, tomamos banho balançando muito… (risos) Acho que não é pra qualquer um: poucas pessoas gostam de embarcar. Mas também é uma experiência única. Temos contato com animais que estão bem longe da costa, animais que quase ninguém vê. Vemos muitos tipos de baleias, tubarões… E é a primeira vez que o Brasil está com um projeto de pesquisa ambiental deste tamanho, então é muito legal estar participando.
Nascido em Campinas (SP), André diz nem saber de onde surgiu o amor pela água salgada – ou, especificamente, pelas baleias.
– Tudo que eu pedia de aniversário, desde os três ou quatro anos de idade, era sempre relacionado a baleias – ele ri. – Em 2012 eu passei para o vestibular na UFSC, e desde então moro em Florianópolis. Ao longo do curso eu tive a oportunidade de estagiar em diversos lugares, inclusive no LAMAQ (Laboratório de Mamíferos Aquáticos), onde até hoje sou pesquisador associado. Também passei um tempo em Itapirubá, em Imbituba, trabalhando com as Baleias Francas no Instituto Australis: fiquei seis meses morando lá, trabalhando e pesquisando. Tudo que eu faço hoje é ligado ao mar: meus hobbies são surf, mergulho…
Após a formatura, André passou a trabalhar embarcado em um projeto da Petrobrás de monitoramento de baleias e golfinhos na Bacia de Santos: saindo de Navegantes (SC), os pesquisadores monitoravam os animais até Cabo Frio (RJ), trabalhando a mais de 300 quilômetros da costa, e chegando a passar trinta dias direto no mar.
Continua depois da publicidade
> Confira cinco animais encantadores já avistados em Santa Catarina
– Nesse trabalho eu conheci um cara que morava em um veleiro; que é o Daniel, da Talassa Náutica, que já fazia essas expedições para Abrolhos em parceria com o Laboratório de Bioacústica do Recôncavo Baiano. – ele conta. – Foi conversando com ele que a gente bolou essa edição da Salvador Abrolhos, com o objetivo de pesquisar as baleias jubartes na temporada delas e produzir esse documentário pela Limbo Studio, produtora do meu irmão. O Daniel e eu somos biólogos, e fechamos essa parceria: eu entrei com a parte do audiovisual, e ele com o veleiro.

Anualmente, no inverno, as jubartes (de nome científico Megaptera novaengliae) deixam suas áreas de alimentação na Antártica, nas Ilhas Geórgias do Sul, onde costumam passar o verão: a temporada de reprodução é passada em mares tropicais e subtropicais; com águas mais quentes, calmas e rasas – o lugar perfeito para uma mãe criar os seus filhotes. As jubartes chegam por volta de junho ou julho ao hemisfério sul, onde permanecem até novembro – assim como as baleias-franca, que frequentam o litoral catarinense. No caminho até abrolhos, as jubartes podem ser vistas de passagem por toda a costa brasileira, inclusive por Santa Catarina.
O Banco de Abrolhos é considerado o maior berço reprodutivo do Atlântico Sul. Na expedição, André e a equipe viram 215 baleias, sendo 22 filhotes; e coletaram e catalogaram imagens dos animais.
– As baleias têm na cauda um padrão de coloração que diferencia uma da outra – explica o biólogo. – Com base nisso fazemos um catálogo que reúne todas as informações: onde vimos a baleia, qual era a composição do grupo, etc. Esses dados foram doados ao Instituto Baleia Jubarte, da Bahia, que há 30 anos é pioneiro no estudo da espécie. O objetivo maior é de fato fazer pesquisa: levantar esses dados e doar a projetos e empresas que já fazem esse trabalho.
Continua depois da publicidade
> Melhores filmes do Natal 2020 no Prime Video
– Passamos onze dias velejando, mas somando a expedição toda foram 16 ou 17 dias – narra André. – Os três primeiros dias foram velejando dia e noite sem parar: nos revezávamos para fazer o turno da madrugada enquanto os outros dormiam; quase sem comer, porque não dá pra cozinhar; isso até chegar no arquipélago de Abrolhos. Aí conseguimos dar uma descansada, já que ficávamos atracados, protegidos pelas ilhas. Saíamos das ilhas quando dava, velejávamos em volta, e voltávamos à noite para dormir.
O pesquisador diz que velejar, em si, foi um dos maiores desafios da jornada:
– O único que de fato sabia fazer isso era o capitão; o resto de nós aprendeu na marra. – conta. – Tínhamos experiência no mar, mas não na vela. As tempestades, à noite, foram bem desafiadoras. O meu irmão também estava lá; e ele nunca tinha embarcado. Ele é fotógrafo e filmmaker, mas nunca tinha filmado vida selvagem. Então pra ele o desafio foi em dobro. Aprender o timing para gravar, usar drone com o mar agitado… E acho que nesses onze dias eu tomei só um banho de água doce – o resto, só de água salgada. (risos) Então tudo isso são dificuldades com que a gente tem que aprender a lidar.

O documentário Ciano – batizado em homenagem à cor também chamada de azul-piscina; que, segundo a psicologia das cores, é aquela que traz paz e tranquilidade – mostra um pouco de todas essas dificuldades, além das belezas e descobertas da viagem. Quando pergunto se despertar o público para a conservação da vida marinha é um dos objetivos de ter feito o documentário, André é enfático na resposta:
– Esse é o principal objetivo das expedições e da produção do documentário: mostrar que cada um tem um papel fundamental na conservação das espécies e do ambiente marinho como um todo. – confirma. – Por meio desse documentário, a gente consegue criar em cada pessoa um sentimento de empatia pelos animais. Eu comecei vendo esses documentários de natureza tipo Discovery Channel, Animal Planet, e eu me sentia muito presente ali: são experiências pelas quais poucas pessoas passam diretamente, então é muito legal levar um pouco dessa beleza pra dentro da casa das pessoas. Por meio de documentários como este, pretendemos fazer um trabalho forte de educação ambiental junto às escolas, às crianças.
Continua depois da publicidade
> Empresas usam toneladas de dados para fazer músicas viralizarem no TikTok
E como as pessoas que não são biólogas ou estudiosas da vida marinha podem fazer a sua parte?
– Tendo um consumo consciente dos recursos, economizando água, separando lixo, coisas simples – André explica. – Mas nós também temos investidores, pessoas que ajudam a divulgar nosso trabalho. A expedição foi em parte financiada por 400 pessoas que compraram as camisetas da minha empresa, por exemplo, então essas pessoas também fizeram parte disso. Todo mundo pode investir um pouco de tempo e de dinheiro para ajudar projetos, como este, que tenham o objetivo de ajudar na conservação das espécies.