O aposentado Paulo Di Concillio, 73 anos, tem por hábito ajudar as pessoas. Morador do bairro Kobrasol, em São José, há dez anos gravou no próprio corpo o interesse de doar seus órgãos depois da morte. Cego desde a adolescência, não quer que seus familiares e amigos tenham dúvidas na hora da decisão sobre a doação:
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— Pensei em colocar no documento, mas optei por tatuar porque assim as pessoas podem enxergar e se sensibilizar. Quem vê fala que é uma ação bonita, mas eu quero mesmo é que eles também doem.
O mesmo sentimento de solidariedade superou a dor do médico Ricardo Camargo Vieira. Em 2017, perdeu o filho de três anos. Inebriado pela dor, deixou a generosidade falar mais alto e decidiu pela doação dos órgãos de Samuel.
— Quando essa situação se volta para a gente, é algo que ninguém quer passar, ainda mais quando é uma situação que te pega de surpresa, como foi o caso do Samuel. (…) Quando tu autorizas a doação de órgãos de alguém que tu amas, está sendo simbolizado ali a maior doação que tu podes fazer. Isso conforta e exalta aquela pessoa que está te deixando — conta em entrevista à Laine Valgas, da NSC TV.
Casos como o vivenciado por Ricardo fazem de Santa Catarina destaque na solidariedade. Só em 2018, 287 doadores de órgãos salvaram a vida de ao menos 1,2 mil pessoas. De janeiro a março deste ano, foram 40,7 doadores a cada um milhão de habitantes.
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O número equipara o Estado a países europeus no que se refere a transplantes. Comunicar a família sobre a intenção de ser doador pode facilitar o processo e possibilitar um número ainda maior de pessoas ajudadas.
– É um ciclo virtuoso, onde as coisas vão se somando. Uma cultura que começa a se cristalizar de uma população que é solidária e é, portanto, doadora – afirma o coordenador estadual da SC Transplantes, Joel de Andrade.
Ele explica que cada doador é capaz, em média, de salvar a vida de cinco pessoas, número que pode ser muito superior no caso de um jovem, sem doença prévia e com pouco tempo de hospitalização.
– Ele pode doar o coração, os dois pulmões, o fígado, os rins, o intestino e, do ponto de vista do tecido, doar as córneas. Quando não utiliza o coração para transplante, (pode doar) as válvulas, o tecido ósseo e a pele. Então, o potencial de ajuda de um doador jovem, sem doenças, é imenso. Pode atingir mais de 400 pessoas, dependendo do grau de fragmentação que terão os ossos doados – explica.
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De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), SC é o segundo estado do país com maior número de doadores por milhão de pessoas, 40,7. Perde apenas para o Paraná, que tem 41,2.
– O teto disso hoje, no mundo, pertence à Espanha, por volta de 48 doadores por milhão de população. Para se ter uma ideia, Santa Catarina fez, agora, no primeiro trimestre deste ano, quase 41. Se pegar as regiões do mundo que têm doação superior a 40 por milhão de população, nós não enchemos duas mãos, ou seja, menos de 10 países têm essa taxa – compara Andrade.
Desde 1999, a SC Transplantes realiza estes procedimentos, mas os primeiros transplantes de rim são do início da década de 1980 e os primeiros de córnea da década de 1970. Atualmente, há 48 hospitais doadores e oito transplantadores de órgãos em Santa Catarina, distribuídos em sete cidades. Há ainda 25 serviços – oferecidos em clínicas e hospitais – de transplantes de córneas e seis de tecido ósseo, dois de válvulas cardíacas e um de transplante de medula óssea.
– Quando falamos de transplantes, não de doação de órgãos, os dois principais programas de SC, de rim e fígado, sempre ocupamos uma das três primeiras posições no ranking nacional, obviamente levando em conta a população do estado em relação às demais – completa o coordenador da SC Transplantes.
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Intenção do doador de órgãos deve ser formalizada
As notificações de potenciais doadores no primeiro trimestre de 2019 foram 139, das quais 72 se converteram em doações. Em outros 29 casos, as famílias preferiram não doar.
Nos demais, não houve transplante por razões clínicas e outras questões. No ano passado, das 44 notificações feitas em março, 22 ou 50% se efetivaram. Uma medida simples pode contribuir para melhorar o número de doações.
– Basta em um momento informal, num almoço ou jantar com a família, comunicar que é doador. São 14 anos de experiência e nunca conheci uma família que tivesse negado doação de um indivíduo que tivesse avisado – explica o coordenador da SC Transplantes Joel de Andrade.
Em SC, são feitos transplantes de córnea, tecido ocular, coração, válvula cardíaca, fígado, rim, pâncreas e duplo de rim e pâncreas. Também estão nesta lista os transplantes de medula óssea e de tecido ósseo. Além disso, medula óssea autólogo e tecido ósteo-condro-fáscio-ligamentoso também estão entre os transplantes. A maioria dos doadores de SC é homem, entre 50 e 64 anos que teve como causa da morte AVC (Acidente Vascular Cerebral). Entre os 72 doadores do primeiro trimestre, 49 eram homens.
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A lista de espera por órgãos e tecidos nos três primeiros meses deste ano é de 530 pessoas. No mesmo período do ano passado era de 556, conforme a SC Transplantes. Outros 330 pacientes aguardam por um rim, 106 pela doação de córneas e 57 por medula óssea. Outras 28 pessoas
estão à espera de um fígado e oito precisam de um transplante conjugado de rim e pâncreas. Na lista, há um paciente a espera de um coração.
Conforme o presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, Paulo Pego Fernandes, no país até 45% das famílias se recusam a doar órgãos de pacientes com morte encefálica.
— Gostaríamos que fosse melhor (o índice de doação). Há uma variação de estado para estado. Acho que a grande dificuldade é o entendimento do que é a morte encefálica, o que é a morte cerebral e a partir daí aceitar a doação. É um momento muito duro e quando bem conversado há um acolhimento. No Brasil, quem autoriza ou não a doação é a família após a morte cerebral — afirma Fernandes.
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A maioria das famílias doa todos os órgãos, o problema é que nem sempre todos estão em condições de serem utilizados. Segundo Fernandes, os órgãos mais transplantados são os rins e os menos transplantados são os pulmões, porque os primeiros são mais resistentes e pulmão é um órgão de choque. Após a morte cerebral, aumentam os riscos de infecção nos pulmões, o que inviabiliza o uso.
As regiões Sul e Foz do Itajaí este ano são as que tiveram o maior número de doações do Estado, 10 cada uma.
— É nítido que quanto mais se aprimora a equipe de coordenação, melhores são os resultados. Se apareciam motivos religiosos, por exemplo, trocávamos a comissão hospitalar de transplantes e os resultados bons não tardavam a aparecer. Então, as coisas vão se somando – relata Paulo Fernandes.

Para onde vão as doações
Os pacientes de Santa Catarina têm preferência na hora de receber uma doação feita no Estado. Isso não impede de, no caso de urgência, um órgão ser destinado a transplantes no Rio Grande do Sul e no Paraná.
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— Do mesmo modo, quando o catarinense precisa de um fígado e rim de urgência a gente recebe tanto do Paraná quanto do Rio Grande do Sul. Depois de analisados os órgãos disponíveis, aqueles que são aceitos em Santa Catarina ficam no Estado e os demais, aqueles que não são aceitos por quaisquer razões, seja porque não temos o tipo sanguíneo ou porque é uma criança muito pequena e não fazemos assim, esses órgãos são então ofertados à central nacional de distribuição, em Brasília, e vão a qualquer uma das unidades da federação — explica Joel de Andrade.
Movimento reforça ações de solidariedade
Para reforçar o debate sobre a doação de órgãos e marcar seus 40 anos de história, a NSC lança o movimento A Vida Com Vida. Uma série de produções em diversas plataformas passa a chamar a atenção para o assunto. Por meio do jornalismo, entretenimento e publicidade, a campanha convida o público a entender, pensar sobre o tema e sensibilizar com a causa.
Com um jogo de palavras – A Vida com Vida – a NSC reforça na campanha que a vida não está isolada, mas impacta em outras. As peças publicitárias ficam à disposição de associações e entidades para que a proposta se dissemine e se multiplique.
— Apesar de SC ser referência, sabemos que milhares de pessoas em todo o mundo poderiam ser salvas se houvesse uma conscientização maior sobre o tema. Queremos trazer esta reflexão, pois a doação não precisa ocorrer apenas no momento de dor: a vida pode ser compartilhada em vida — afirma Mário Neves, presidente da NSC.
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