O poder de um só. A frase remete a uma fala da nossa personagem, Celaine Refosco, a respeito da força de cada um de nós como consumidores e cidadãos de um mundo em transformação. Mas pode, facilmente, ser aplicado a ela mesma. A artista plástica catarinense que criou uma escola de criatividade inovadora em Pomedore, o Instituto Orbitato, traz, a pessoas, empresas e ao Estado de maneira geral, conceitos inspiradores e desafiadores que, se não respondem, investigam de forma profunda as grandes questões contemporâneas. Mas sem rótulos.
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– Acho que o diferencial é não ter descrita uma metodologia com um nome, e que coloca todas as pessoas lá e pluft faz acontecer uma coisa, igual pra todo mundo. Ouvir cada pessoa, cada necessidade, ser firme em falar o necessário, impulsionar, apresentar pontos de vista diferentes e incentivar a tomada de decisão são aspectos deste diferencial – comenta Celaine sobre o Instituto que tem como mestres Ronaldo Fraga e Jun Nakao.
Pensadora de primeira linha, mas também uma fazedora que confere toda a relevância à técnica, Celaine abriga, via Orbitato, a edição de Pomerode do Fashion Revolution Day, que acontece neste final de semana e questiona aspectos sociais e ambientais envolvidos na moda.
– A moda não pode ser contra as necessidades objetivas e urgentes que o planeta apresenta. Aliás, em grande parte é justamente por ¿ seguir¿ modas de maneira imprudente, guiados através do consumo de maneira ingênua ou maliciosa, mas perniciosa, que chegamos aqui.
Nesta entrevista, Celaine aborda o tema, além de falar sobre identidade catarinense e as conquistas e desafios da Orbitato nesses noves anos de história. uma só
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Quais são os principais projetos do Instituto (e seus) no momento?
Este é um momento de novas definições. É o nono ano de Orbitato e há muita coisa para ser revista. O projeto principal continua sendo fazer uma educação artesanal e eficiente, onde as pessoas se reconheçam em suas individualidades e possam se colocar a serviço de empresas, próprias ou não, com dedicação e amor. Isto, associado ao conhecimento técnico de alta competência, são os elos fundamentais para o exercício de construção de identidade. Não é possível encontrar a identidade fora de si. Ela não está lá, a identidade está aqui. Também é um momento de colheita. Os projetos socioambientais afinal florescem: o Mulheres de Mafra vendendo para Meu Móvel de Madeira, com apoios importantes como a Brandili e a Eurofios, por exemplo. Se os projetos antigos estão dando certo, é hora de iniciar novos. Estamos preparando encontros dirigidos a comunidades específicas, como um sobre estamparia que acontece em maio, outros mais amplos, com novos parceiros, como o Instituto Juarez Machado com quem ensaiamos uns ¿ diálogos criativos¿. Eu tenho passado cada vez mais tempo desenhando e pintando. Há um atelier em meus planos futuros e, para começar a concretizar, faço uma exposição em Joinville, em maio, na galeria El ClanDestino, que se chamará Manuais.
Quais foram as principais conquistas da Orbitato nestes nove anos? Posso dizer que foram anos de concentração. A principal conquista sem dúvida alguma é a Orbitato existir. Uma ideia tão diferente, improvável, complexa, sem dinheiro, sem investimento. Essa sem dúvida é a conquista. Receber em Pomerode pessoas de todos os cantos do Brasil é uma conquista. Uma profissional argentina que deixa seu trabalho em Buenos Aires e se muda para Santa Catarina por um ano para fazer um curso também é. São muitas as conquistas, pessoas que descobrem o que querem fazer, que se animam com a vida que tem.
De que forma o entorno ( Pomerode, Vale do Itajaí) influencia a Orbitato e, ao contrário, o quanto o Instituto influencia a cidade?
Eu escolhi Pomerode. E não foi por acaso. Há uma equidistância entre os aeroportos e os polos urbanos, há uma centralidade em relação à produção industrial. Além de ser um lugar lindo. Mas depois virou uma coisa maior, a cidade começou a receber a Orbitato, começamos a fazer parte da paisagem. Tem sido uma relação legal. As pessoas se espantam com um lugar que não tem muros, onde tem jardins, árvores, montanhas. As pessoas passam bem quando vem pra cá. Se sentem ` aninhadas¿. E há toda a questão de estar em um epicentro industrial, que é uma grande cadeia de realização.
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Um dos desafios sempre citados pelos criadores e indústrias é desenvolver uma identidade. Que identidades são essas e de que forma fomentá- las?
Ter identidade é diferenciar- se do resto. É ser um. Uma pessoa, uma empresa, uma região, um grupo, um país. É reconhecer- se. Neste momento, poucos são os que se arriscam a fazer exatamente o que gostariam de fazer pois sabem quem são. Poucos são os que têm opinião, e a perseguem. Invariavelmente estes são os bem-sucedidos. Então, é necessário parar para pensar, descobrir o que interessa, qual a vocação, traçar um plano e persegui- lo. Uma empresa com identidade é uma empresa que aceita suas particularidades, acredita em certas coisas e não em outras, e que tira o melhor proveito da situação. É raro, por exemplo, ver um departamento de desenvolvimento de produtos se perguntar qual a minha vocação, o que eu faço bem? O que me agrada fazer? Profissionais e empresas que conseguem responder questões como estas se posicionam bem.
Durante muito tempo Santa Catarina teve fama de estado executor e não criador. A nossa indústria está criando e ousando mais?
Tive a oportunidade de fazer uma pesquisa sobre a produção de design catarinense há alguns anos e fiquei surpresa com a qualidade que descobri. É uma qualidade que está mais na técnica, é fato – o que não deixa de ser um traço identitário – mas que está presente. Ainda há um terreno imenso pela frente, mas eu sou otimista.
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Fala- se muito em guarda- roupa sustentável, mas ao mesmo tempo as redes de fast fashion crescem e se multiplicam, principalmente em tempos de crise. Não é uma contradição?Como é possível ser sustentável na moda?
Grande equívoco, na verdade. Acho que há várias respostas para esta pergunta. E todas partem de outras perguntas pessoais e intransferíveis: o que precisamos de fato? O que gostamos de fato? A mudança passa pela individualidade e pela diversidade de respostas possíveis.
Como avalia o impacto da velocidade do consumo na criação e na sustentabilidade ambiental e social?
Pensa bem, com o clima que faz, precisamos de mais vinte, trinta itens no guarda roupa a cada estação? Que tipo de tecidos estamos consumindo, onde eles são produzidos? Quanto agrotóxico é gasto com o algodão que é plantado no mundo todo? Eu preciso de uma blusinha roxa no tom pantone tal? Sim, existem muitas iniciativas, muitas sensacionais aqui bem pertinho. Acho que o DC devia fazer uma caderno especial mapeando iniciativas legais!
A lógica do lucro a qualquer custo parece justificar crimes sociais e ambientais. Como mudar esse modelo de negócio?
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A pergunta é simples: como chegamos neste caos? Não foi simples e nem de repente. Somos uma civilização inconsequente, é preciso admitir isso e correr atrás pra encontrar soluções. Mas uma coisa tem que ficar clara: não há soluções mapeadas, testadas, nunca fizemos isso antes. Não há receitas ou respostas certeiras, nem garantias. É preciso estudar.
Geralmente colocamos a responsabilidade apenas na indústria, mas qual é a responsabilidade do consumidor nessa relação?
O consumidor tem um grande poder, que em geral não reconhece. Este é justamente o que pode transformar de maneira exponencial a realidade em que vivemos. Cada pessoa deveria pensar em seus valores antes de pensar em hábitos ou necessidades. Logo, mesmo que o hábito exija, se o valor não permite, a relação de consumo muda. Não acredito que seja necessário (ou possível) não consumir. Continuaremos precisando e desejando coisas. Há que se estudar soluções possíveis. Buscar o equilíbrio. Há ideias perniciosas, como o fast fashion por exemplo, que é uma visão de curtíssimo prazo, irresponsável e predatória. Mas há todo um novo formato de produção com significado, menores volumes e melhores itens. Há uma questão aqui que é o impacto do tempo sobre o dia a dia. Jornadas de oito horas são tão esmagadoras e frustrantes que as pessoas consomem mais porque ¿ merecem¿. Elas se endividam mais e precisam trabalhar mais para merecerem outras coisas, um circulo vicioso caótico. Vamos interrompê- lo? Também é preciso pensar, e repensar, o que é estar na moda. A moda não pode ser contra as necessidades objetivas e urgentes que o planeta apresenta. Aliás, em grande parte é justamente ¿ seguir¿ modas de maneira imprudente guiados através do consumo de maneira ingênua ou maliciosa, mas perniciosa, que chegamos aqui.
Quais são os desafios e sonhos da Orbitato para a próxima década?
Será uma década decisiva. Precisamos reagir. Há muito trabalho por ser feito. Sonho organizar grandes conversas entre gente muito interessante. Também sonho poder oferecer a qualidade Orbitato para quem não pode pagar, seria de grande transformação social. Sonho encontrar pessoas, grupos e empresas, inteligentes e honestos com disposição para trabalhar de maneira coletiva, realizando experiências que sirvam para estas necessidades imediatas que vão se apresentando sempre em prol do conjunto de pessoas envolvidas, e que considerem o mais longo prazo possível. Também quero criar mais, quero fazer produto, estampa. Quero fazer coisas que as pessoas queiram guardar. Coisa que dê sorriso!
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