Quem tem dinheiro manda. Quem tem, além do talento, juízo obedece. Essa regra é clara em Hollywood desde que os primeiros rolos de negativo começaram a rodar. E segue valendo hoje, com a figura icônica do chefe de estúdio com charuto na boca substituída pelo executivo de corporações multinacionais.
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Quem reacendeu a discussão sobre quem é o dono do filme foi o diretor francês Olivier Dahan, que falou ao jornal Liberation da queda de braço que trava com o produtor americano Harvey Weinstein. Eles brigam pelo corte final de Grace of Monaco, cinebiografia da atriz e princesa Grace Kelly (1929 -1982), interpretada por Nicole Kidman. Musa de Alfred Hitchcock em filmes como Janela Indiscreta (1954) e ganhadora do Oscar de melhor atriz com Amar É Sofrer (1954), Grace abandonou a carreira em 1956, quando se casou com Rainier III, príncipe de Mônaco.
Dahan afirma que Weinstein está impondo um novo tratamento à trama, que se passa no começo dos anos 1960, quando uma crise política colocou o principado sob ameaça de uma intervenção da França. Conhecido por outra cinebiografia, Piaf – Um Hino ao Amor (2007), que valeu a Marion Cottilard o Oscar de melhor atriz, Dahan deu a declaração na semana passada, depois que Weinsten protelou o lançamento do filme de dezembro para março de 2014. Com isso, Grace of Monaco está fora de eventuais indicações ao Oscar.
O produtor alegou que o longa não ficaria pronto em tempo. Dahan rebateu dizendo que, para ele, Grace of Monaco está finalizado: “Há duas versões do filme, a minha e a dele, que acho catastrófica”. E ainda comparou o filme pretendido por Weinsten com “um monte de merda”. Weinsten é figura graúda na indústria cinematográfica. Ele e seu irmão e sócio Bob Weinstein bancam de pequenos projetos autorais a filmes de Tarantino e blockbusters como a trilogia O Senhor dos Anéis.
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Dahan é apenas mais um diretor a reclamar da interferência que já deu dor de cabeça a muitos mestres do cinema. Em 2008, outro realizador francês, Mathieu Kassovitz, botou a boca no mundo dizendo que sua ficção científica Missão Babilônia foi mutilada pelo estúdio. Em 2011, o irlandês Jim Sheridan, indicado ao Oscar de direção por Meu Pé Esquerdo (1989) e Em Nome do Pai (1983), pediu para ter seu nome retirado dos créditos do suspense A Casa dos Sonhos, mas não conseguiu. Alegou que não pôde fazer alterações no roteiro e que a montagem foi feita a sua revelia. Ambos são filmes muito ruins, diga-se, ao ponto de ser difícil imaginar como poderiam ficar melhores se esses diretores tivessem passe-livre criativo.
Cada caso é um caso. Via de regra, a delimitação de poder autoral é esmiuçada em contrato. Diretores reclamam quando percebem que entraram numa furada, e a intervenção do dono da grana, por vezes, ajuda a evitar desastre maior, artístico e financeiro.
Veja trailer de Grace of Monaco:
Brasileiros no set
Cineastas brasileiros vivem experiências diversas em relação à autonomia criativa quando se aventuram em Hollywood. A de Heitor Dhalia foi traumática. O diretor de Serra Pelada foi contratado para tocar o suspense 12 Horas (2012), com Amanda Seyfried, mas teve de trabalhar com elenco e equipe escolhidos pelos produtores.
Já Walter Salles levou para o suspense Água Negra (2005) dois conterrâneos prestigiados no Exterior: o diretor de fotografia Affonso Beato e o montador Daniel Rezende. Segundo ele, a pressão maior se deu após o filme estar pronto, com ajustes determinados por testes de audiência. Por sua vez, Fernando Meirelles afirma que busca em seus projetos internacionais, como Jardineiro Fiel (2005), parceiros de quem seja sócio e não funcionário.
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E a despeito de boatos que indicavam sua insatisfação à frente do remake de Robocop, José Padilha tem afirmado em entrevistas que teve liberdade para criar, improvisar e suprimir diálogos e testar novas cenas. Ao site Omelete, Padilha destacou o que disse aos executivos de Hollywood: “Este é o primeiro filme brasileiro de vocês”.