Tudo bem que 60 mil pessoas cantando o hino à capela é de bater o queixo e verter lágrimas. Quem estava lá, sentindo a energia cortando o ar, sabe disso. Mas houve uma cena, vista pelo mundo inteiro antes do jogo com o México, que merece reflexão. O “pátria amada Brasil” da última estrofe nem havia ecoado pelo Castelão. Os jogadores ainda se mantinham perfilados. O solista da orquestra suspira, esconde o rosto com as mãos e chora.
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Como lidar com tamanha pressão? A fórmula de Neymar é: confiança. O problema é que confiança não se compra na esquina. Se conquista. E antes que alguém venha com a velha tese do “ele ganha fortunas”, vale lembrar que dinheiro não compra controle dos nervos. Pode-se viver de salário mínimo e dominá-los, assim como morar em castelo escocês e tremer na base.
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Neymar tem o nome citado tantas vezes ao dia, é tão onipresente na TV graças aos seus 16 patrocinadores e aos 300 jornalistas que registram cada sobrancelha erguida na Granja Comary, ele está de tal maneira no nosso dia a dia que a gente até esquece: Neymar tem só 22 anos. E carrega nas costas a esperança de 200 milhões de brasileiros – 200 milhões de técnicos, 200 milhões de comentaristas, 200 milhões de jogadores.
Não foi uma equação fácil de resolver, a do convívio com a pressão. Um gesto simples revelou-se emblemático nesse processo – ao menos no contexto da CBF. Neymar destroçava no Santos, mas não era o mesmo de verde-amarelo. Felipão usou de sua reconhecida intuição para tocar-lhe o coração. Entregou-lhe a camisa 10 faça chuva ou faça sol, para o que der e vier, aconteça o que acontecer, jogando mal ou sendo o pior em campo.
– É a mesma de Pelé, Zico e Rivellino – suspirou Neymar quando soube que a 10 era sua.
Segurança. Neymar sempre acreditou muito no próprio talento, mas a confiança ampla e irrestrita depositada por Felipão o fez relaxar. Assim a Seleção virou a Vila Belmiro, em amistoso ou nas arenas da Copa.
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– Felipão percebeu o talento e a liderança natural do Neymar. Isso ajudou. Mas a confiança que ele tem no próprio talento é o que mais o deixa tranquilo. Este moleque pode ter ansiedade antes, como na emoção do hino, mas tem certeza de que tudo vai se resolver quando a bola rolar, na praia dele. É algo natural, sem soberba. Talento puro mesmo. Agora, sentir que os outros gostam dele e confiam nele é fundamental – garante André Cury, empresário e amigo da família, que o levou para o Barcelona.
Na Granja, sinais de um futuro capitão
O talento de Neymar, base desta confiança que lhe oferece instrumentos para lidar com a pressão, teve de superar alguns desvios de rota. O normal era estrelas como Adriano, Ronaldinho e Kaká lhe prepararem o terreno, dividindo responsabilidades. Mas eles tiveram sua trajetória na Seleção abreviada, por motivos diversos. Neymar passou de príncipe a rei cedo demais. Viu-se obrigado a superar esta entronização precoce.
Na Granja Comary, Neymar parece ter 30 anos. É ele quem decide a hora de ir até a torcida dar autógrafo. Quando Felipão interrompe o treino para orientar, faz perguntas. Insiste se não entende direito. O técnico o pega pelo braço. Leva até o lugar certo no campo. Neymar orienta a troca de posições com Oscar e Hulk. Grita e gesticula, como quando fez o gol na Croácia. Agora comete faltas, o que indica disciplina tática na recomposição defensiva. Quem marca comete faltas. Na Copa das Confederações, ele foi o jogador que mais faltas fez, nenhuma violenta. Está mais forte. E também por isso, mais confiante.
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– Nem precisa dizer quanto a mais de massa muscular. É visível. Isso e mais a leitura rápida de jogo, capaz de enxergar o espaço e desenhar a jogada só com olhar periférico, faz dele o nosso diferencial – resume o preparador físico Paulo Paixão.
Mais forte, Neymar peita o adversário com mais ênfase. Até intimida, como naquele cotovelaço em Modric. Neymar será capitão lá adiante, como aconteceu com Messi na Argentina. É focado no trabalho (esta uma característica que fica logo clara para quem tem contato com ele) e passa longe do estereótipo do deslumbrado com a fama. Os jogadores gostam dele por isso. Tentam protegê-lo. Sabem que, quando a encrenca for grande, ele resolverá. Exagero? Então repare no que diz o experiente goleiro Julio César.
– Se o Marcelo vê o Neymar dando carrinho e brigando com os caras, ele vai pensar: ”Pô, se o Neymar, que é o Neymar, está ralando, então eu mais ainda”.
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Ronaldo o queria no Barcelona mais cedo
Além da crença no talento e no corpo mais forte, outros elementos fizeram Neymar ganhar confiança para tirar a pressão de letra. Um deles é o Barcelona.
Ronaldo, gestor de sua imagem através da N9ne,
chegou a temer que ele tivesse perdido o bonde da carreira quando decidiu ficar mais tempo no Santos. Então o Barcelona fez a investida derradeira com a ajuda de André Cury, personagem central na escolha do passo acertado para a carreira internacional deslanchar – e, com ela, o futebol na Seleção.
– Treinar e jogar com o Messi, além da evolução, te dá confiança. O convívio com os melhores te faz melhorar. E o Barcelona tem alguns dos melhores jogadores do mundo – concorda Cury.
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Outro elemento fundamental para suportar a pressão são a família e os amigos. No hotel da Seleção, em Fortaleza, antes do jogo com o México, Neymar filho recebeu Neymar pai e amigos de infância. Não abre mão deles nunca. Repetirá a dose neste fim de semana, em Brasília, antes do jogo de segunda-feira contra
Camarões. É um ritual, assim como a música. O camisa 10 faz dos fones de ouvido um remédio antiestresse. Entra e sai do ônibus com eles. Isso quando não está com Willian, Dante, Daniel Alves e Thiago Silva no grupo de pagode da Seleção.
– Ele é simples, focado, leal aos amigos e adora o pai. A base familiar é afetiva e sólida. Tudo isso, somado,
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dá a ele uma confiança natural – percebe uma pessoa que esteve perto de Neymar em alguns momentos nesta largada de Copa.
Confiança. Uma confiança centrada no talento, mas conquistada passo a passo. Eis a fórmula para Neymar suportar o peso de um país.