Pouca gente nos bairros Itaum e Guanabara conhece o Bernardino Rosa. Mas quase todo mundo por lá sabe quem é Dino, o barbeiro. Desde que ele próprio se lembra, Bernardino é Dino, nome de guerra estampado na placa que está há 15 anos em frente a uma loja de uma porta só, de cara para a barulhenta rua Florianópolis. Pela rua passam carreta, caminhão de propaganda, carros com som nas alturas. Enquanto isso, Dino corta cabelo ou empunha uma navalha afiada perto do pescoço dos seus clientes.

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– O segredo é calma. Não pode prestar atenção em outra coisa – filosofa, antes de a voz ser abafada por mais uma buzinada.

Dino tem a precaução de quem faz a mesma coisa há quase 40 anos. Não aceita cheque, prefere tocar o negócio sozinho e atende só ao público masculino.

– Mulher é muito enjoada – define, com a experiência de 64 anos de vida e duas mulheres oficiais no histórico.

Dino não gosta que o chamem de cabeleireiro: é barbeiro, como era o pai e ainda são dois de seus irmãos.

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– Cabeleireiro é uma rapaziada mais alegre – brinca, sem medo de ser alvo de protestos.

A profissão está mesmo no sangue da família, que veio de Navegantes.

– A cadeira é herança do meu pai. Deve ter quase 70 anos – diz, apontando para o lugar em que atende aos clientes.

Dino explica que, quando parou de trabalhar, o pai distribuiu os apetrechos entre os filhos. E ele parece ter ficado com a melhor parte:

– Peguei cadeira e navalha. Os outros ficaram com as tesouras e aparelhos de barba.

O barbeiro da rua Florianópolis, que sorri bastante e conversa baixinho, mantém suas regras sem se indispor com ninguém. As regras são simples e estão espalhadas em avisos colocados nas paredes. Um deles deixa claro que o serviço só rola com pagamento à vista: “O fiado é como a barba: se não cortar, cresce”.

Outra dá um toque a quem tem mania de ensinar o padre a rezar a missa ou o barbeiro a cortar o cabelo: “Minha educação depende da sua”.

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De clientes famosos que já passaram pela barbearia, Dino orgulha-se de mencionar o bispo de Joinville, dom Irineu Scherer, e o hoje arcebispo de Londrina, dom Orlando Brandes.

– Dom Irineu gosta de barba frisada. Dom Orlando vai para a frente do espelho ver como está ficando – revela.

Para alegrar a clientela diversificada, enfeita o lugar com pôsteres de times de futebol. Nas paredes, tem para todos os gostos. Mas no coração, só o Flamengo. Dino comenta que só uma vez teve medo de o negócio da família falir. Foi na década de 60.

– Era a época da Jovem Guarda, e o pessoal só aparava as pontinhas – recorda, com bom humor.

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Um dos últimos barbeiros da cidade diz que está com aposentadoria marcada para o ano que vem. Quer morar na praia e ter um pouquinho mais de tempo para aproveitar a vida.

– Não quero morrer trabalhando – justifica, deixando um fio de esperança aos clientes fiéis: para não ficar ocioso, talvez acabe montando uma barbearia para atender de vez em quando na praia. De preferência com vista para o mar.