Na véspera de decidir sobre a nova lei dos royalties, a presidente Dilma Rousseff deu pistas sobre o que fará. O projeto aprovado na Câmara dos Deputados que define a redistribuição da verba repassada à União pela exploração de campos de petróleo passará pelo crivo presidencial nesta sexta-feira, último dia para sancionar ou vetar a proposta.

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Toda a polêmica diz respeito a um dos artigos do projeto que mexe nas regras de divisão das receitas de exploração nos campos de petróleo já licitados. Segundo especialistas, a tendência, portanto, é de que Dilma opte pelo veto parcial. Na quinta-feira, durante discurso na cerimônia de ampliação do Brasil Carinhoso, ação de transferência de renda para famílias em situação de extrema pobreza, a presidente disse que o Brasil é um país que mantém “rigoroso respeito” aos contratos. Caso siga a propensão apontada pelos especialistas, apenas o artigo que trata da redistribuição de recursos das áreas já licitadas seria vetado, e, simultaneamente, Dilma editiria uma medida provisória para estabelecer que os produtores preservarão como piso o valor que hoje recebem, mas, caso a produção seja incrementada, essa diferença deverá ser rateada de acordo com a nova regra e não pelo critério atual. A questão é controversa, já que envolve interesses regionais diversos.

– Seja qual for a decisão, haverá consequências para Dilma. Supõe-se que mudará a partilha atual, mas a presidente deve estar ciente de que qualquer que seja a escolha deve prever uma mudança gradual. Nenhum Estado terá condições de se reerguer imediatamente depois de um rombo destes de uma hora para a outra – avalia Raul Velloso, economista especializado em contas públicas.

Estados como Rio de Janeiro e Espírito Santo, os dois maiores produtores, brigam para continuar com a maior parte dos recursos. Caso mantidas, as novas regras podem significar perda de R$ 4 bilhões para o Rio em 2013, por exemplo. Ao mesmo tempo, o rateio entre os Estados poderia ajudar no equilíbrio de contas de alguns municípios.

– Essa é uma riqueza do pré-sal. Entendemos que é uma riqueza do país. Essa distribuição equalizada é um avanço. Não resolve os problemas estruturais das finanças públicas do Estado, mas compensa perdas futuras – defende o secretário adjunto da Secretaria Estadual da Fazenda, André Paiva.

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Para Velloso, mais importante do que a discussão sobre as divisões nas fatias do bolo da exploração dos poços é o que está sendo feito com esse dinheiro:

– Essa quantia está caindo no caixa e virando financiamento de despesas estaduais ou está sendo investida com a finalidade específica de criar uma alternativa futura à sociedade e no momento em que o petróleo se extinguir?

Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), afirma que já está havendo uma movimentação para pedir a derrubada do veto no Congresso Nacional, caso seja esta a decisão de Dilma.

– Acredito que ela se desgaste mais vetando (todo o projeto) do que sancionando. Há um movimento nacional de confiança de que estes recursos precisam ser redistribuídos – diz Ziulkoski.

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QUEM GANHA E QUEM PERDE

Veto parcial

Considerada a hipótese mais provável, adotaria o critério proposto no projeto – divisão de uma parte dos royalties e da participação especial entre todos os municípios conforme a proporção do Fundo de Participação dos Municípios – mas apenas para as áreas não licitadas.

Consequências: Estados e municípios que recebem mais recursos hoje não sofrem perdas imediatas, só terão menos a receber no futuro, e os demais terão de esperar um pouco mais para se beneficiar da divisão mais equilibrada dos recursos do petróleo.

Sanção total

Seria a opção mais política, do ponto de vista de afetar o interesse de menor número de pessoas e contemplar o da maioria, mas contraria o conhecido perfil mais técnico da presidente. A nova forma de distribuição passaria a vigorar já a partir de 2013, para todos os campos de petróleo em operação no mar.

Consequências: o assunto iria ao Supremo Tribunal Federal, sob alegação de inconstitucionalidade e quebra do pacto federativo. Rio de Janeiro e Espírito Santo, além dos municípios mais envolvidos com produção de petróleo, teriam finanças abaladas. Os demais seriam beneficiados com alguns milhões de reais por ano.

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Veto total

Menos provável, porque faria com que o assunto voltasse ao ponto de partida, queimando mais de dois anos de debates e desgastes entre União, Estados e municípios, sem chance efetiva de uma revisão da distribuição geral dos recursos entre as três esferas do poder. Manteria a concentração atual de royalties em longo prazo.

Consequências: poderia desatar protestos ainda mais drásticos dos Estados e municípios que não participam da atual divisão dos recursos e concentraria ainda mais a renda do petróleo em poucos Estados e municípios, quem nem sempre fazem o melhor uso dessa arrecadação extra.

O QUE É FATO, O QUE É MITO

A mudança só vale para o futuro

Fato

Embora só provoque efeitos a partir de 2013, o projeto envolve os chamados campos já em atividade, quer dizer, contrasta com as mudanças feitas na legislação que modifica as regras de exploração de petróleo, que valem só para o que ainda não foi licitado. Esse é o ponto mais fraco do texto, que, embora não configure a temida “quebra de contrato” – as parcelas públicas não são negociadas com as empresas exploradoras -, representa uma quebra efetiva de receita dos Estados e municípios e pode ensejar ações de inconstitucionalidade.

A divisão equânime é justa porque todos os brasileiros contribuem para a Petrobras

Mito

Há muitos anos, a Petrobras dá grandes lucros, que financiam não apenas os investimentos da empresa, como contribuem com boa parte do chamado superávit primário, que é a economia feita pelo governo federal para pagar os juros da dívida – esse pagamento é traduzido, por exemplo, no rendimento de quem aplica em fundos de renda fixa, que são formados, em sua maioria, por títulos da dívida do governo. Além disso, a Petrobras é neutra na questão da divisão dos recursos do petróleo: a estatal tem de pagar a mesma quantia, independentemente de quem vai receber.

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Se todos os Estados devem dividir os royalties do petróleo, também devem compartilhar, por exemplo, os ganhos com as plantações de soja

Mito

A comparação não é equilibrada. Os royalties são devidos à União, não a Estados e municípios, e a divisão de royalties só atinge a produção de petróleo feita no mar, ou seja, em território federal. Plantações de soja são feitas em áreas privadas dentro do território dos Estados.

A forma atual da distribuição é injusta

Fato

Nas regras atuais, combinam-se o excesso de concentração com a falta de regras de aplicação dos recursos. Desde o início da cobrança de royalties, em 1953, havia recomendação de emprego dos recursos em energia e pavimentação de estradas. Entre 1986 e 1997, a aplicação era limitada a energia, pavimentação, abastecimento e tratamento de água, irrigação, proteção ambiental e saneamento. A partir de 1997, deixou de existir determinação de aplicação dos recursos.

A mudança prejudica o Rio e beneficia a maior parte dos Estados e municípios

Fato

Como a mudança, tal como proposta, inclui os campos já em operação, não representa apenas um recurso com perspectiva de arrecadação futura: no Rio, representará um rombo de cerca de R$ 3,4 bilhões em 2013, difícil de consertar. Como distribui os recursos de acordo com os critérios do Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios (FPE e FPM), beneficia 24 de 27 Estados e a grande maioria dos municípios que, no entanto, terão valores bem menores para receber. O governo gaúcho receberia R$ 122 milhões por ano – valor suficiente para asfaltar cerca de 60 quilômetros de estrada.

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