A produção ucraniana Minha Felicidade ficou conhecida no circuito internacional como My Joy, título em inglês que recebeu antes da seleção para Cannes 2010. O primeiro filme ficcional assinado pelo documentarista Sergei Loznitsa não ganhou prêmio algum, mas causou sensação no festival francês. Entenda-se por “sensação” o ato de impressionar muita gente, para o bem (há quem diga se tratar de uma obra-prima) ou para o mal (também é recorrente, embora menos comum, ouvir que ele não é tão eficiente quanto pretende o seu diretor).

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Difícil e ambicioso, Minha Felicidade chega apenas agora a Porto Alegre, justamente no ano em que o segundo longa ficcional de Loznitsa, In the Fog (ainda sem título em português), ganhou o cobiçado prêmio da crítica internacional em Cannes. Estreia nesta sexta-feira apenas na Sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mario Quintana, graças aos esforços das equipes da Cinemateca Paulo Amorim e da revista Teorema (leia abaixo).

A trama, cheia de idas e vindas surpreendentes, começa acompanhando o caminhoneiro Georgy (Viktor Nemets) em uma viagem pelo interior de uma Ucrânia devastada pela violência e cuja civilidade parece ter se perdido no tempo. Loznitsa aponta que tempo é este em remissões ao passado, mais precisamente à II Guerra Mundial (que também é o pano de fundo de In the Fog).

O primeiro flashback se dá com as reminiscências de um velhinho que ganha uma carona (Vladimir Golovin). O segundo registra uma das quebras narrativas mais bruscas de Minha Felicidade. Esteja preparado, inclusive, para um redirecionamento de suas expectativas: o que antes parecia ser um road movie clássico, daqueles nos quais a estrada age como elemento transformador, vira um filme sobre um vilarejo específico, porém altamente simbólico, desbravado por um viajante.

Não é por acaso que, quando entra em sua metade final, o longa de Loznitsa usa uma única casa como conexão entre presente e passado – antes de apresentar o caos que tomou conta do lugar na atualidade, o espectador assiste ao que aconteceu ali anos atrás. É de uma derrocada moral que o realizador nascido na Bielorrússia e criado na União Soviética pré-queda do Muro de Berlim está falando.

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Duas sequências exemplares, neste sentido, mostram boas ações seguidas de respostas virulentas. A mais forte delas envolve um professor (Konstantin Shelestun) na vã espera pelo fim da guerra para voltar ao trabalho. Loznitsa põe o filho a testemunhar a violência contra o pai. E, em seguida, dá um salto no tempo para acompanhar ações que só poderiam ter lugar numa sociedade marcada pela falta de limites e pela perda de uma consciência civilizadora.

Minha Felicidade é impactante. Isso se deve, também, a uma certa dificuldade de compreensão por parte do público. Loznitsa é propositalmente enigmático. Estabelece conexões vagas, de modo que o espectador faça associações inseguras. Trata-se de uma estratégia que revela domínio da linguagem: ao acuar a plateia, ele potencializa suas sensações nos momentos mais intensos da trama. Por trás do ritmo calmo, Minha Felicidade tem tensões bem articuladas – um tanto desagradáveis, mas, acima de tudo, reveladoras.

10 anos

de Teorema

As três sessões diárias de Minha Felicidade na Cinemateca Paulo Amorim (às 14h15min, 18h e 20h15min, sempre na Sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mario Quintana) fazem parte dos festejos dos 10 anos da revista Teorema.

Uma das raras publicações brasileiras voltadas exclusivamente à crítica de cinema, a Teorema é lançada semestralmente. Tem no comando uma equipe de editores formada por Enéas de Souza, Fabiano de Souza, Flávio Guirland, Ivonete Pinto, Marcus Mello e Milton do Prado, todos de Porto Alegre.

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O grupo participa de uma conversa com o público sobre Minha Felicidade neste domingo, após a exibição das 18h – nesse dia, excepcionalmente, não haverá sessão às 20h15min.

A Casa de Cultura Mario Quintana fica na Rua dos Andradas, 736, no centro de Porto Alegre. Confira outros detalhes das sessões diariamente no roteiro de cinema da Agenda.