David Mundell, o único membro do Partido Conservador entre os 59 parlamentares britânicos eleitos da Escócia, amaria ter um colega ou dois para ajudá-lo nas participações dos programas matutinos de TV e de rádio.
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Ao mesmo tempo em que diminuiria a sua carga de trabalho, isso também responderia à gozação de que, como membro conservador do Parlamento Britânico, Mundell é mais raro na Escócia do que um urso panda gigante (existem dois no zoológico de Edinburgh).
– Não me sinto isolado, e não me sinto marginalizado, não me sinto não amado – disse Mundell, que, no entanto, admite uma leve irritação com tantas pessoas contando a piada do urso panda achando que ele nunca a ouviu antes.
A piada pegou porque ela se refere a um fato central do debate sobre a votação da independência da Escócia do Reino Unido: existe um grande abismo ideológico entre a Escócia, cujo centro de gravidade política é distintamente de esquerda, e a Inglaterra, que é a base geográfica dos conservadores.
Se os escoceses votarem pela independência, isso será, pelo menos parcialmente, uma rejeição ao Partido Conservador, que na administração de Margaret Thatcher reformou a política britânica, e que agora tem uma coligação governista com os Liberais Democratas de centro. Isso também será um reflexo do desejo de políticas diplomáticas e socioeconômicas bem à esquerda de tudo o que o governo britânico oferece.
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Mesmo antes da votação pela independência, a Escócia está buscando um rumo bem diferente do governo central em Londres, graças aos acordos anteriores que davam a ela bastante liberdade para criar suas próprias políticas públicas. Os escoceses gozam de vários benefícios que são mais generosos do que os disponíveis na Inglaterra, alguns deles gratuitamente, em áreas abrangendo cuidados médicos domiciliares para os idosos, mensalidades gratuitas na universidade, prescrições médicas e viagens de ônibus para os aposentados.
O Partido Nacional Escocês, que controla o governo escocês e defende a independência, quer se livrar das armas nucleares, ajustar o salário mínimo de acordo com a inflação e iniciar uma expansão abrangente das creches. E o partido é mais favorável à imigração do que são a União Europeia e o governo britânico.
– Há muito da perspectiva comunitária na Escócia que vê o valor de se unir e oferecer serviços públicos, de reconhecer a força da comunidade no país – declarou Nicola Sturgeon, vice-primeira-ministra da Escócia. Ela declarou em entrevista que isso se reflete em algumas das escolhas divergentes nas políticas públicas, acrescentando que a Escócia podia aprender ainda mais com as sociais-democracias nórdicas.
Mesmo alguns adversários políticos que são contra a independência escocesa concordam que a discórdia está a caminho, inclusive Henry McLeish, ex-primeiro-ministro, ou chefe do governo escocês.
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Como membro do Partido do Trabalho, o qual se opõe à independência, McLeish afirma que votará contra a secessão em setembro, mas que um voto de “não” pode tão somente adiar a separação.
– Você pode começar a remover as camadas, e o que temos então para a maioria dos escoceses é uma união cada vez mais desinteressante com muito pouco a oferecer – ele disse, citando questões que incluem a Constituição Britânica verbal e “desorganizada” e as políticas do governo britânico em relação à imigração e à União Europeia.
Alguns insinuam que as diferenças políticas entre os dois países sejam um exagero. Um estudo feito por dois acadêmicos, John Curtice e Rachel Ormston, concluiu que, embora a Escócia fosse mais parecida com uma social-democracia do que a Inglaterra, as diferenças são, na melhor das hipóteses, pequenas.
Outros sustentam que a separação não é entre a Escócia e a Inglaterra e sim entre o sul da Inglaterra e o resto da Grã-Bretanha. Politicamente, a Escócia tem mais em comum com o norte da Inglaterra do que Londres, afirmam. E alguns argumentam que as políticas do governo escocês, como o ensino gratuito na universidade, beneficiam mais a classe média do que os pobres e, portanto, não deveriam ser consideradas de esquerda.
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Contudo, Cairns Craig, professor de estudos irlandeses e escoceses da Universidade de Aberdeen, afirma que a Escócia sempre teve tradição “comunitária”, datando pelo menos da Reforma Escocesa, na qual se presume que os membros de uma comunidade se ajudem mutuamente.
Um exemplo são as estruturas mais democráticas que se desenvolveram historicamente na igreja escocesa, onde os paroquianos elegem os ministros. Outro exemplo é o espírito comunitário incorporado na filosofia e na teologia escocesa, Craig completou, citando John Macmurray, o filósofo do século 20 cujo socialismo cristão supostamente foi a inspiração do ex-primeiro-ministro Tony Blair, que levou o Partido Trabalhista à vitória em três eleições nacionais na década de 90 e de 2000.
As causas mais diretas de divergência entre as políticas escocesas e britânicas são os partidos políticos britânicos, particularmente o Partido Conservador. Na eleição geral de 1955, o Partido Conservador conquistou mais da metade dos assentos escoceses no Parlamento Britânico, entretanto, por volta da eleição geral de 1997, o partido não conseguiu garantir um único assento.
Sentado em um gramado em frente ao estaleiro em Govan, perto de Glasgow, onde trabalha desde 1968, Jamie Webster, funcionário do sindicato trabalhista GMB, fala do desdém da Escócia por Thatcher, que para muitos daqui veio consubstanciar um ataque aos valores escoceses.
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– Ela foi uma das piores coisas que já aconteceram politicamente a este país – Webster disse.
Os aborrecimentos provocados pela era Thatcher forçaram o sistema político ao seu ponto de ruptura. Entre 1979 e 1992, dois anos após a renúncia de Thatcher, os escoceses favoreceram o Partido Trabalhista em quatro eleições, porém, por causa dos resultados na Inglaterra, acabaram com governos conservadores mesmo assim (os defensores da independência argumentam que somente a separação pode garantir que isso não aconteça novamente).
Finalmente, em 1997, Inglaterra e Escócia votaram da mesma forma – para o Partido Trabalhista – e o novo governo criou um Parlamento Escocês com poderes importantes para a criação de leis. Mas o Partido Trabalhista, que rotineiramente enviava dezenas de parlamentares escoceses ao Parlamento Britânico, acabou perdendo seu domínio na Escócia para o Partido Nacional Escocês através do que McLeish chama de “complacência em massa”.
David Cameron, Primeiro-ministro da Grã-Bretanha, está fazendo campanha para manter a Escócia dentro da união. Porém, os seus conservadores podem obter ganhos políticos caso a Escócia opte pela independência, já que a Escócia levaria com isso uma grande população de eleitores de esquerda, o que enfraqueceria o Partido Trabalhista – embora Sturgeon frise que é historicamente raro os votos escoceses mudarem o resultado de uma eleição britânica.
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A questão mais imediata é se os partidos britânicos podem se reconciliar com a Escócia a tempo de salvar uma união histórica entre as duas nações.
Em uma visita recente ao Brodies, restaurante em Moffat onde Mundell foi recebido calorosamente por vários eleitores e ganhou café por conta da casa, ele argumentou que a fraqueza dos conservadores era causada não pela administração de Thatcher e sim pela quantidade de anos que o partido levou para abraçar a descentralização e aceitar o Parlamento Escocês.
Os conservadores agora têm 15 dos 129 assentos no Parlamento Escocês e, na eleição geral britânica de 2010, conquistou mais ou menos 17% dos votos da Escócia, com Mundell sendo o único conservador que conquistou uma cadeira da Escócia no Parlamento Britânico.
A maioria das pesquisas de opinião prevê que a Escócia rejeitará a independência, mas também mostra que muitos ainda permanecem indecisos.
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Mundell está seguro de que os escoceses votarão “não” em setembro, mas está menos disposto a prever que, após as próximas eleições gerais da Grã-Bretanha em 2015, a Escócia terá mais legisladores do que pandas gigantes.
Essa possibilidade pareceu mais distante após uma recente declaração do zoológico de Edinburgh: a panda fêmea, Tian Tian, parece está grávida.