Dietas sem carne para crianças exigem acompanhamento especializado

O almoço da pequena Cler, um ano e dois meses, tem arroz integral, feijão, verduras e cogumelos. Nada de carne. Filha de pais vegetarianos, a menina cresce com as escolhas alimentares da família, atenta ao seu desenvolvimento. Excluir da dieta a carne e, no caso dos veganos, também produtos de origem animal como ovos e laticínios, exige cuidados, em especial com as crianças. As restrições dificultam o acesso às proteínas e nutrientes importantes para o organismo vitamina B12, ferro e cálcio estão na lista das necessidades que precisam ser repostas.

As dificuldades impostas pela escolha levantam questionamentos sobre seu efeito à saúde. No caso dos vegetarianos, os nutricionistas confiam em uma vida saudável longe das carnes. Em relação aos veganos, que só consumem produtos de origem vegetal, a questão causa divergências.

– Bem planejada, é possível ter uma alimentação saudável mesmo para uma gestante ou uma criança. Só o vegano precisa de mais cuidado – diz a nutricionista Astrid Pfeiffer, que recentemente lançou o livro A Cozinha Vegetariana de Astrid Pfeiffer.

– A dieta vegana é muito radical. Não é ideal para crianças, que estão em crescimento e necessitam de nutrientes como ferro e cálcio, fundamentais para evitar a anemia e problemas de crescimento – pondera a nutricionista Martine Kienzle Hagen, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

As nutricionistas concordam que é preciso acompanhamento especializado para crianças vegetarianas e veganas. Lição seguida por Cler e seus pais, os advogados Ramaís de Castro, 29 anos, e Roberta Bag- gio, 33 anos. Quando a mãe, professora de Direito na UFRGS, soube que estava grávida, procurou uma nutricionista. A família inteira acabou entrando no controle. Para confirmar que a alimentação supre as necessidades de nutrientes, todos realizam exames de sangue a cada três meses.

– Pelo lado paterno, a Cler é a quarta geração de vegetarianos da família. O pai dela nunca comeu carne, é a prova de que é possível crescer saudável sendo vegetariano – revela a mãe.

Com nove quilos e 76 centímetros, a menina cresce tranquila e com saúde. Encontra proteínas e ferro na combinação de cereais – como arroz integral, inhame e mandioquinha – e feijões. Come ovos, cogumelos e bebe leite de aveia batido com nozes. Também abusa das frutas.

– A Cler é um bebê calmo, sem problemas de sono, que interage bastante. E que se alimenta bem. Minha filha é uma comilona – ri Roberta.

Opções vão além da salada

Acostumada a trabalhar com clientes vegetarianos e veganos, a nutricionista Melissa Suarez confia em uma dieta saudável apesar das restrições, mesmo em crianças. A ausência das proteínas e do ferro pode ser suprida na soma de cereais com leguminosas, ilustrada na mesa com o tradicional arroz com feijão. Lentilha e grão-de-bico também podem aparecer na mistura, ao lado de trigo, mandioca e quinoa, um cereal andino. Pastas de feijão, grão de bico, gergelim e tomate seco usadas no pão, além de suco verde e brotos germinados, ajudam nos estoques de nutrientes.

O leite e seus derivados, como o queijo, ofertam o cálcio, e ovo também ganha importância. A clara é rica em proteína, e a gema, em vitamina B12. As opções, porém, ficam de fora da dieta vegana.

– Sem o leite é importante repor o cálcio com suplementos ou leite de amêndoa, gergelim e nozes. A vitamina B12 também pode vir de suplementos, e sua absorção deve ser intensificada com leite de semente e germinados – indica Melissa.

Frutas ricas em vitamina C, como laranja e acerola, ajudam a absorver o ferro, aponta a nutricionista Astrid Pfeiffer. Já alimentos ricos em cálcio, como queijo, dificultam esse processo.

– É bom evitar essa combinação na mesma refeição – orienta.

Para ter mais acesso aos nutrientes, o ideal é não usar alimentos industrializados, optando por integrais e orgânicos.

– Evitar refinados e priorizar orgânicos é bom em qualquer tipo de alimentação – completa Martine Hage, professora de Nutrição na UFRGS.