Dias translúcidos, envidraçados. Maravilhosos para navegar – que nunca foi tão preciso.
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Pausa na política, tão embaciada. Hora de espiar a paisagem. Em que outro lugar do mundo poderíamos fotografar nesse inusitado calorzinho do inverno aquela paisagem que é, na visão de Virgílio Várzea, “uma das mais belas reuniões de águas e terras que o mundo já viu?”.
Mas há algo de estranho nessa paisagem: onde estão as bateras, as escunas, as velas pandas pelo vento, as canoas bordadas açorianas, os vapores da belle époque, os barcos de um sonhado transporte marítimo riscando o espelho das águas? Até parece que as baías da Ilha servem de passagem aos cruéis carregamentos dos navios negreiros, dando maré aos “brigues imundos”, vergastados por Castro Alves no verso imortal: “Colombo, fecha a porta dos teus mares!” Sonho em enxergar, de novo, a mesma paisagem que o pintor Eduardo Dias divisava do alto do Morro da Cruz: as baías coalhadas de barcos de todos os tamanhos, navios, bergantins, canoas, caíques – autêntica e sortida feira de cascos flutuantes, significando a reabertura dos mares na Ilha Catarina – e com um caminho que deveria seguir o exemplo dos fenícios, dos vikings, dos ancestrais portugueses da saga camoniana.
O atalho naval entre a Ponta do Rapa e os Naufragados seria uma magnífica língua azul debruando a costa, com meia dúzia de grandes terminais marítimos, fazendo as vezes de pontos-de-ônibus. Nesses dias de azul infinito – verdadeiros “presentes” do Arquiteto Supremo para compensar a mediocridade humana – o mar nunca fecharia a sua generosa estrada para as poucas embarcações que hoje teimam em singrar o espelho das duas baías. “Donde vem essa voz, ó mar amigo?/ Talvez seja a voz do Portugal antigo…”.
O caolho Luiz Vaz de Camões enxergava longe o mar, a navegação e as boas rimas.
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Ao contrário dos que hoje negam à Ilha de Santa Catarina o mesmo direito ao mar que transformou os portugueses em audazes navegadores. Hoje, navegar mais parece sinônimo de “poluir”. Só falta a exigência de “estudo de impacto ambiental”. Como se navegar fosse maltratar a natureza.
Só a falta de tradição marítima – absurda constatação, em se tratando de uma ilha – explica a inexistência de “corredores marítimos” entre o centro da cidade, o Norte e o Sul da Ilha.
A propósito: quando terá conseqüência prática o Código de Gerenciamento Costeiro, o “Plano Diretor” dos mares?