Não está nada fácil. Dias como estes, em que a agressividade parece ter tomado o assento da rotina, demandam investigação acerca dos motivos que nos trouxeram ao atual estado de coisas. Como umidade que penetra por entre camadas de uma construção e a destrói de dentro para fora, o fanatismo esgueira-se pouco a pouco e toma conta de redes sociais, cátedras universitárias, mesas de bares e almoços familiares.
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Momentos de marasmo político e econômico dão guarida a certo rescaldo autoritário que nos ronda desde épocas remotas. E assim surgem alegorias de heróis sem honrarias ou, como diria Fernando Pessoa, montes de tijolos com pretensão a casa. A demagogia é alçada a categoria de pensamento sério. Opiniões destituídas de lastro grassam por todo canto. Contrapontos são tachados como crimes. Os inimigos são escolhidos ou inventados conforme a conveniência, para depois serem transmutados em monstros maiores que a própria sombra.
O fanatismo é o mais longevo dos cultos e o mais pernicioso dos abalos. Ou bem está deitado à cama, à espera de uns caudatários que o acordem; ou bem está prostrado à janela, a vociferar as maiores barbaridades sob o argumento de um suposto bem maior, da moralidade e de outros conceitos abstratos. Tudo o que faz é pavimentar, com boas intenções, a estrada para o inferno.
Dito isso, resta-nos questionar: qual o nosso papel frente à avalanche de ataques e defesas, ódios e paixões que demoliram a estrutura do debate moderno? Há algo a ser feito em meio aos escombros? Sempre há. A via está na reconstrução do diálogo através da racionalidade e alicerçado em alteridade e tolerância, na visão do outro como complemento na troca de ideias em lugar de um espectro de maldade.
Quando admito dialogar com alguém cujas convicções são opostas às minhas, meu objetivo deve ser contribuir com o conhecimento do meu interlocutor, e não eliminá-lo da face da Terra, como se ali, nele ou nela, repousasse toda a ingenuidade, a ignorância ou a má-fé. Emanada tal vontade de todas as partes, tantas quantas travem o debate, a lógica poderá enfim superar a histeria. Mas não está nada fácil.
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* Leonardo Freitas é advogado e coordenador do Círculo de Debates Pedra Branca
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