Melissa Hoffmann, especial

As mudanças no conceito de paternidade foram tão rápidas que, às vezes, se esquece que uma geração atrás não era incomum o homem chegarem casa à noite, depois de uma jornada de trabalho, sentar à frente da TV e chamar os filhos para atenderem seus pedidos, enquanto a mulher preparava o jantar.

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Filhos dessa geração, os novos pais não poupam carinho aos filhos e abrem mão de compromissos profissionais para embarcar na emocionante jornada de amor, criação e educação.

– Dos 18 casos infantis que estão em processo psicoterapêutico no momento, 15 deles são os pais que trazem os pequenos semanalmente. É um dado histórico. Há 10 anos, quase não havia a presença deles no consultório pela resistência e por não disponibilizarem tempo, tarefa que era realizada pela mulher. Os homens estão mais interessados e participativos.As crianças, em contrapartida, ganham qualidade na relação – avalia a psicóloga Viviani May.

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A percepção da especialista não é única. A MenCare,organização ativista sobre paternidade que está presente em mais de 30 países,divulgou uma pesquisa intitulada O Estado dos Pais do Mundo, que diz que filhos se tornam mais bem sucedidos e felizes quando seus pais participam de forma ativa na educação. O relatório divulgado em 2015 também fala da importância da participação nas tarefas diárias das crianças.

– O pai dá o amor da liberdade. São eles que contribuem para a separação emocional entre mãe e filho. Entre os dois e três anos, a criança percebe que não é uma fusão com a mãe, que quer e precisa evoluir. Esse é o momento de o pai entrar em ação. Aqui, ele recupera sua companheira sexual e acolhe o filho que já se comunica verbalmente facilitando, assim, o relacionamento entre eles. Os pais atraem as crianças para o que é de fora,esporte, aventura, lazer. Esse movimento é essencial para o desenvolvimento da autonomia e da segurança da criança – explica a terapeuta e psicopedagoga Fábia Lombardi.

Se essa explosão de sentimento e emoções catapulta o casal com a chegada do primeiro filho, imagina quando a família decide aumentar para mais três ou quatro membros. É justamente para contar como funciona a ginástica para conciliar trabalho e criação que três homens toparam contar à Revista Donna como funciona a rotina de uma casa numerosa.

– Para as crianças, estar com mãe e pai é o melhor da vida.Quanto mais os pais participarem e estiverem presentes, mais teremos adultos íntegros, tranquilos, completos e amorosos. É o caminho para paz – afirma Fábia.

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Tempo e dedicação

“Tivemos a Manu quando eu tinha 36 anos e achava que era estéril, pode isso? Estávamos viajando de bike pela Europa e o anticoncepcional acabou. Resultado: Renata já chegou grávida ao Brasil. Ela logo disse que não queria filho único e, em menos de dois anos, Mateus nasceu. Na época, não tínhamos a ideia de aumentar a família, pois já era um sufoco, mas a Renata queria uma família grande.

Antes de o Mateus completar dois anos, em um descuido nosso,veio a terceira gravidez. Se já foi um susto, imagina depois do ultrassom que apontou que eram gêmeas. Logo depois do exame, eu tinha uma pauta do jornal em que trabalhava e precisei levar a Renata junto porque ela não parava de chorar.Foi muita emoção!

O primeiro ano com as gêmeas foi extenuante. As duas tinham refluxo e dormiam pouquíssimo. Fora isso, ainda tínhamos que cuidar do Mateus, então com dois anos, e da Manu, com quatro.

Nessa fase, fiquei muito preocupado com a questão financeira, pois achava que não daria conta. No entanto, as coisas foram se ajeitando e minha vida profissional decolando junto com o crescimento das crianças. Apesar dos altos e baixos, acho que conseguimos dar uma boa educação e qualidade de vida para eles.

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Somos uma família que compartilha bastante os momentos individuais e em grupo. Apesar das diferenças de personalidade e temperamento,conseguimos ter um bom diálogo. Os mais velhos, adolescentes, conversam conosco sobre sexualidade, namoro, drogas, questão de gêneros e seus conflitos pessoais e existenciais. Nesta fase, ocorre uma transformação imensa com eles e estamos vivenciando juntos as descobertas. Às vezes, é bem complicado compatibilizar avida familiar com os novos interesses. É preciso muita paciência.

Nossos momentos de intensa convivência, normalmente, ocorrem em viagens. Quase todo inverno fazemos uma viagem de carro e somos ¿só¿ nós seis. Já fomos até a Cordilheira dos Andes, Brasília, Goiás e Rio de Janeiro.São jornadas em que precisamos lidar com o temperamento e as vontades alheia se, apesar dos conflitos constantes, acabamos nos divertindo muito.

Como eu e Renata temos o surfe como hobby, a praia é o lugar onde sempre levamos as crianças para se divertirem. Eles amam o mar. Mateus surfa bem e as meninas também se arriscam na prancha. Também curtimos outras atividades juntos. Às vezes fazemos trilha, andamos a cavalo e assistimos a filmes embaixo da coberta comendo pipoca.

Quanto às diferenças entre a minha relação com meus filhos e as que vivi com meus pais, creio que o que mais mudou é a relação com o tempo dedicado às crianças. Quando eu era pequeno, meus pais trabalhavam o dia todo fora e não havia tanta dedicação como a que damos hoje”.

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Fernando Willadino, fotógrafo, 52 anos, casado com Renata Quint e pai deManuela, 16, Mateus, 14, e as gêmeas Gabriela e Sofia, de 11 anos

A inconsequência do amor

“Quando descobrimos a primeira gravidez, não tínhamos a mínima ideia do que era ter filho. Não nos relacionávamos com outras famílias,muito menos com crianças. Nossa vida era uma verdadeira festa. Como trabalhávamos em casa, não tínhamos rotina. O nascimento da Alice foi um divisor de águas. Ouvimos de parentes que éramos duas crianças cuidando de outra. Acabamos estabelecendo um modelo ¿antigo¿ de estrutura familiar. Eu era o responsável pelo sustento e a Débora, pela criação e o cuidado da casa. Funcionou por um tempo: cada vez mais eu atingia sucesso profissional e a Débora, reconhecida como uma mãe paciente e exemplar. Quando Alice tinha setemeses, descobrimos a gravidez do Bento. Encaramos como foi com a Alice.

Quando recebi a ligação dela para anunciar a terceira gravidez, estava no aeroporto voltando de São Paulo. Ela me perguntou: “Está sentado?”, comecei a rir de nervoso porque já pressentia. Desta vez, ficamos preocupados em como seria estruturar e operacionalizar uma família com três filhos. Ao mesmo tempo, ficamos muito felizes porque já sabíamos como é bom e emocionante ter criança em casa. A essa altura, a Débora já estava trabalhando e sabíamos que seria bem difícil.

O João nasceu durante um parto natural domiciliar no qual ajudei integralmente. Eu o segurei pela primeira vez, sentindo o calor da pele dele na minha. Naquele momento, senti a maior emoção da minha vida. Tenho a impressão que foi lá que comecei a questionar o modelo familiar adotado. Decerta forma, era como se tivesse me tornado pai pela primeira vez. Apesar de os dois mais velhos serem ainda pequenos, meu relacionamento com eles está em um processo de desconstrução. Me apropriei de um modelo familiar antigo no qual acriança não era ouvida – o que gerou grande dificuldade entre mim e minha mulher. Enquanto eu replicava o modelo que recebi, baseado em autoridade,Débora apresentava uma criação completamente nova para mim, em que há muita conversa, espaço para a criança e muita paciência.

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Sinto que com a Alice e o Bento ainda tenho um longo caminho a percorrer pelo tempo de conexão que perdi. Tenho uma ótima relação com meus pais e entendo a educação que recebi, mas percebo que hoje podemos ter mais conversa e participação das crianças nas nossas decisões. É isso que estou tentando fazer com os mais velhos. Já com o João, o caçula, a relação é outra,porque me sinto conectado a ele desde o nascimento, apesar de ele ainda não falar.

Nossa dinâmica familiar continua em grande parte como sempre foi. Aos poucos, estamos chegando a um equilíbrio maior. Hoje, dou conta de ficar com as crianças, e tenho gostado muito desse tempo só nosso. É engraçado ser pais de três. Às vezes fecho os olhos e não acredito. Quase ninguém acredita quando falamos que temos os três. Costumam nos chamar de corajosos e eu respondo: ‘Corajosos nada, somos inconsequentes mesmo!’.”

Rafael d¿Avila, empresário, 35 anos, casado com Débora Rosetto e pai deAlice, seis, Bento, cinco, e João, dois anos.

Diante dos olhos

“Fui criado como filho único e não imaginava ser pai de mais de um filho. A Paula, desde pequena, tinha o plano de ter uma família grande,então me convenceu. Hoje sei que nasci para isso.

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A história mais marcante dos meninos é o momento do nascimento. Não tem como eu olhar para eles e não ser sempre jogado para dia do parto que para mim, como homem, é o momento de ruptura do universo, quando o milagre realmente aconteceu diante dos meus olhos. Nada se compara a ter presenciado os três momentos.

Como cada um tem idades diferentes, precisamos adequar os gostos. Adoramos jogar videogame, assistir vídeos malucos no Youtube e brincar de esconde-esconde em espaços abertos. Também gostamos de desenhar, montar Lego e, mais recentemente, de rodar spinner. As crianças me viciaram.

Em casa, sempre estimulamos que as conversas sejam abertas,sem assuntos proibidos. A ideia é que as crianças cresçam sem medo de questionar e vejam nos pais pessoas as quais podem confiar e contar o que quiserem. A informação e o acesso que temos e proporcionamos aos filhos são bem diferentes da educação que recebi. Meus pais tinham ótimas intenções, mas em um modelo social e culturalmente sem muitos questionamentos. Com o acesso que temos hoje, tudo pode ser questionado, pesquisado e melhor abordado.

Criar e amar três filhos é ter alegrias e dificuldades na mesma proporção. A questão financeira é difícil, o sono não é mais o mesmo, as responsabilidades são maiores. Ao mesmo tempo, são justamente essas questões que me tornam um ser humano melhor e que me obrigaram a crescer e amadurecer. É um universo de descobertas e desafios.

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É uma luta diária para manter o equilíbrio nas contas e não deixar faltar nada para eles. Não vivemos com luxo, mas temos consciência determos aquilo que realmente precisamos. Como brasileiros, aprendemos desde pequenos a batalhar e tocar em frente. Espero que as crianças tenham também essa noção, de que dinheiro é importante mas nem de longe é o que mais importa na vida.

Como eles me veem como pai? Vou arriscar a resposta:Benjamim, como é mais velho, vê em mim um parceiro para falar dos interesses sobre informática, games, internet e afins. Matias acha que sou o cara grandão e forte que consegue jogar ele lá para o alto. Valentim acha que sou uma grande almofada para ele sentar e assistir vídeos de música”.

Isaac Varzim, produtor musical, 37 anos, casado com Paula Felitto e pai de Benjamin, oito, Matias, cinco, e Valentim, um ano