Há 45 anos, homossexuais, bissexuais e transgêneros de Nova York decidiram mudar a situação que viviam, na qual era comum sofrer em operações policiais contra bares gays (normalmente com a finalidade de receber suborno dos donos e dos frequentadores). Na noite de 28 de junho de 1969, els não se submeteram a revistas, não aceitaram se identificar e confrontaram policiais. Estava deflagrado, ali, o grande catalisador das mudanças sociais mais importantes para a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT) que viriam nos próximos anos.

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O episódio é conhecido como Rebelião de Stonewall (nome do bar em que a tal revista não pôde acontecer) e é homenageado no Dia do Orgulho LGBT.

– É a primeira vez que a população LGBT consegue se unir para lutar por direitos coletivos. A maioria sai do armário e vai para a rua reivindicar direitos civis – explica Sandro Ka, coordenador geral da Somos, organização que prega respeito às sexualidades.

Mas, e hoje? É notável que a situação evoluiu. Se na Nova York de Stonewall as leis eram basicamente contrárias à homossexualidade e a repressão à demonstração de qualquer sexualidade que não a heterossexualidade era algo corriqueiro, hoje em dia há decisões favoráveis ao casamento homossexual, à adoção por pais ou mães do mesmo sexo e há homossexuais, bissexuais e transgêneros nas mais diversas áreas da sociedade.

Inspirada pelo orgulho presente na denominação da data, ZH perguntou para homossexuais e transexuais suas visões pessoais sobre essa palavra: o que é, de fato, o orgulho LGBT?

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1. Para Sandro Ka, é ver jovens do mesmo sexo de mãos dadas

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Foto: Divulgação / Sandro Ka

O que pode ser visto como um dos gestos mais triviais do ser humano é também o motivo de maior orgulho para Ka: dois jovens de mãos dadas, despreocupados.

– É um momento especial que pode ser banalizado, mas que me enche de orgulho. Relembra todas as pessoas que sofreram para que a gente pudesse chegar a esse momento, em que esse gesto tão simples, de dar as mãos, pode ser considerado algo tão nobre, tão digno. Eu consigo enxergar orgulho em momentos banais de carinho público.

2. Para Ulisses Carrilho, é conseguir mudar a cabeça de sua avó

Foto: Andréia Graiz / Agência RBS

Orgulho pode ser entendido como o contrário de vergonha. Em vez de se esconder: mostrar-se. E, mais do que se aceitar com orgulho, o jornalista Ulisses Carrilho garante que um dos momentos mais importantes de sua vida foi quando conseguiu mudar a cabeça das pessoas que ama:

– O meu orgulho se manifesta porque minha homossexualidade mais do que o desejo por homens é o afeto pelo cara que eu amo. O afeto que fez minhas avós, aos 80 anos, fazerem questão de conviver com meu namorado. O afeto que fez meu pai virar um cara que fala abertamente no trabalho sobre o filho e o namorado. Essa liberdada não está em ser aceito, mas na conquista política de ter o amor legitimado – conta o colunista de Donna.

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3. Para Marina Reidel, é poder assinar com o seu nome social

Foto: Diego Vara / Agência RBS

Depois de dois anos trabalhando na mesma escola, um professor mudou sua forma de assinar: a partir daquele dia deixava de ser Mário e era Marina Reidel. E, agora, era professora, no feminino. O momento em que pôde utilizar sua identidade trans para lecionar é, para a professora e mestre em educação Marina Reidel, memorável. Ela também ressalta o fato de ser reconhecida como professora em um espaço público e como estudante em um universidade federal. Ela é a primeira transexual a concluir um curso de mestrado no Estado.

– No início foi difícil, foi um desafio mudar a percepção das pessoas. Mas, com o tempo, com o profissionalismo e o respeito que eu tinha, foi melhorando. Hoje eu já não trabalho mais na escola, mas percebo que há um diálogo que antes não existia. Temos mais professoras trans nas escolas, temos até uma diretora trans. Fazer parte dessa história é muito gratificante.

4. Para Naiara Malavolta, “é entendermos que não somos doentes”….

Foto: Ederson Nunes / CMPA

Naiara se acostumou a ouvir que o que ela gostava (e, por consequência, o que ela era) era errado. Ou ruim, patológico, desagradável, torto, um problema. Quando a profissional de TI do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) percebeu que podia participar ativamente no combate a essa percebeu, encontrou na militância seu motivo de orgulho. Hoje, é membro da Liga Brasileira de Lésbicas,

– Foi a partir dessas organizações que a gente conseguiu avançar o tanto que avançamos. Alcançamos conquistas como o casamento igualitário, que garante direitos de partilha, herança, possibilita acompanhar nossos companheiros em consultas médicas. Há 10 anos, isso era praticamente impossível. A visibilidade fez com que colocássemos esses assuntos em pauta. É motivo de orgulho que a gente consiga combater com tanta naturalidade. É um orgulho entendermos que não somos doentes, que somos exatamente como as outras pessoas e que temos direito de vivenciar nosso amor, nossa paixão, nosso tesão como todos.

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5. … e ver a palavra “lésbica” ser dita sem vergonha

– As pessoas perguntam por que eu faço questão de dizer o tempo todo que sou lésbica. Porque a gente tem que naturalizar isso o tempo inteiro. Ainda assim, quando as pessoas vão falar a palavra “lésbica” ainda gaguejam, trocam as sílabas. No ambiente em que eu trabalho, sou a única, apesar de eu conhecer muitas outras (risos). Mas a gente percebe que aconteceu uma naturalização. E isso é por causa da militância.

6. Para Gabriel Galli, é poder reunir a família em aniversários…

Foto: Guilherme Testa / Espaço Experiência

– Um dos mais simbólicos pra mim foi no aniversário da minha mãe, na semana passada. Na cozinha, enquanto várias pessoas conversavam sentadas à mesa, meu pai fazia brincadeiras com meu namorado, minha irmã (que é evangélica) perguntava como estava a faculdade dele, meu cunhado conversava com meus amigos (todos gays) e o clima era de descontração. Pode ser algo meio banal, mas era algo que eu não imaginava ter. Quando contei para meus pais da minha sexualidade, a reação não foi das melhores. Reunir a minha família com meu namorado e meus amigos gays em uma data especial foi um marco que mostra que é possível as pessoas se livrarem dos seus preconceitos e valorizarem o que realmente importa: o amor.

7. … e não sentir vergonha

O jornalista conta que, na infância e na adolescência, sofreu muito com a vergonha. Não se sentia bem em não gostar de brincar com carrinhos, sofria na mão de colegas por não ter um comportamento considerado o padrão. E isso dava medo. Hoje, trata o orgulho como um contrário do que sentia nessa fase:

– Eu acho que o sentido do “orgulho” tem muito a ver com não sentir vergonha de ser do jeito que se é e assumir a sexualidade como algo normal e parte da vida de todas as pessoas. Durante o início da minha adolescência eu tinha, de uma certa forma, medo de mostrar que eu não gostava de garotas. As pessoas são muito cruéis com aquelas que destoam do que é considerado o padrão. É como se tivesse uma lista de regras e comportamentos que demonstrem o que deve ser feito para se considerar homem ou mulher. Quando você passa a vida inteira ouvindo de todos os lados que é errado ser você mesmo, declarar que sente orgulho é um ato político, não no sentido partidário, mas de posicionamento. É como olhar no olho de cada um dos que pensam que a sua forma de ver o mundo e de ser é superior e dizer que eles estão errados.

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8. Para Rodrigo Cardoso e Clóvis Azambuja, é viver a vida em paz

Foto: Carlos Macedo / Agência RBS

Eles são sócios na Casar RS, uma das maiores empresas de cerimônias de casamento do Brasil. Já realizaram cerca de 1,6 mil festas em 18 anos de trabalho juntos. Não foi surpresa para ninguém quando Rodrigo Cardoso e Clóvis Azambuja decidiram dar uma festa de arromba para comemorar, dessa vez, a sua união. Ainda que não vejam o assunto com olhar político, sabem da importância que o ato representa:

– Somos de fato (e agora de direito) uma família! Temos três filhos e a nossa realidade sempre foi absolutamente natural e cotidianamente respeitada. Tanto em família como socialmente, sempre estivemos juntos e amplamente considerados por todos que nos cercam. As pessoas comentam, curiosas e surpresas, como fomos corajosos ao mostrar para todos a nossa alegria ao casarmos! Ficamos lisonjeados, claro! Mas nunca foi nossa intenção levantar qualquer bandeira! Estamos e somos felizes!

9. Para João Carlos Castanha, é ser respeitado por seu trabalho em boates LGBT

Foto: Adriana Franciosi / Agência RBS

A vida de João Carlos Castanha é tão interessante que virou filme. Dirigida por Davi Pretto, a cinebiografia Castanha foi lançada em 2014 e trata principalmente do trabalho do ator e performer em boates gays de Porto Alegre. Para ele, o primeiro passo para evitar o preconceito (que diz que nunca sofreu) é se aceitar. “Minha profissão é como qualquer uma, como um carteiro, qualquer um”, diz o artista, que faz shows travestido.

– O orgulho é eu me sustentar com o meu trabalho. Vivo disso na noite GLS, não dependo de ninguém. Me dou com todo tipo de classe, travesti, pessoal de TV, sou respeitado por isso. O maior respeito é tu primeiro se respeitar. Eu fiz um espetáculo há alguns anos, A Casa das Três Irenes, e o teatro parecia um asilo, só tinha velho. A plateia era formada por senhoras e senhores de 80 anos, todos emocionados. Eles não viam a gente como “ai, as bichas”, viam como artistas.

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10. E, para Sandro Ka, é também sair da sombra e ver as coisas mudarem

Sandro Ka ressalta que, assim como o fato de dar as mãos, expor-se, falar abertamente, conversar sobre o assunto pode ser difícil, mas acaba refletindo em maior naturalização – e uma consequente evolução:

– Sai-se do gueto. Quem não tinha voz, ou quem tinha a voz totalmente rechaçada e diminuída socialmente começa a ocupar um espaço de visibilidade na luta por direitos que deveriam ser garantidos a qualquer pessoa. Eu vejo essa evolução acontecendo a passos lentos, mas só acontece porque as pessoas saem às ruas.